Saiba o que Europa e EUA estão fazendo para proteger os trabalhadores

Para frear a pandemia do novo coronavírus, governos de muitos países estão impondo restrições à circulação de pessoas, numa tentativa de conter o número de infecções. Com a população em casa e a paralisação de comércios, serviços e indústrias, a roda da economia parou de girar.

O cenário esperado é de falências e demissões. Por isso, estão sendo criados pacotes de apoio ao empresariado, mas também de proteção ao elo mais fraco da corrente: o trabalhador.

O Governo e o Congresso dos Estados Unidos preparam um pacote de ajuda financeira de quase U$ 2 trilhões para combater o impacto econômico e uma possível recessão decorrente da pandemia do coronavírus no país.

O pacote deve focar não apenas na ajuda para grandes empresários, como também para a população, que receberá transferências de dinheiro de U$ 1.200 para ficar em casa e ajudar a não transmitir o vírus.

Republicanos e Democratas no Congresso, assim como o presidente Donald Trump na Casa Branca, concordam que é necessário um plano para amortecer os impactos econômicos do combate ao coronavírus.

Ambos os partidos concordam com o pagamento de U$ 1.200 por pessoa, com um adicional de U$ 500 por criança. Segundo o secretário do Tesouro, Steve Mnuchin, uma família de quatro pessoas receberia em média U$ 3.000 (R$ 15.000) para enfrentar a crise. O pagamento seria feito uma única vez aos milhões de americanos que ganham até U$ 75 mil por ano (R$ 32 mil por mês).

O projeto prevê também mudanças na concessão do seguro desemprego e ajuda aos estados, além de prover centenas de bilhares de dólares em empréstimos para pequenas, médias e grandes empresas.

A agitada Times Square ficou deserta por causa da epidemia Foto: CARLO ALLEGRI / REUTERS
A agitada Times Square ficou deserta por causa da epidemia Foto: CARLO ALLEGRI / REUTERS

Na última quinta, o Departamento do Trabalho americano divulgou aumento de 30% no número de pedidos para receber auxílio-desemprego no país. Segundo a agência Bloomberg, o secretário do Tesouro havia dito, na semana passada, que os Estados Unidos poderiam chegar a 20% de desemprego como resultado da crise econômica decorrente do coronavírus.

No domingo, o presidente do Federal Reserve (Banco Central) de St. Louis, James Bullard, afirmou, também à Bloomberg, que o número poderia chegar a 30% já no segundo trimestre deste ano.

Até a publicação desta reportagem, Democratas e Republicanos ainda não haviam entrado em um acordo com o secretário do Tesouro, Steve Mnuchin, sobre todos os itens que estarão no pacote. Os partidos acusam os opositores de quererem incluir temas não relacionados ao coronavírus para aproveitar o momento de crise por que o país passa.

Impasse entre Republicanos e Democratas

O líder do Senado, controlado pelos republicanos, Mitch McConnell, acusa os Democratas de usarem o pacote como uma “oportunidade política”, incluindo no texto temas como crédito tributário por uso de energia solar e regras para novos padrões de emissão de gases de efeito estufa pelas companhias aéreas.

Já a líder da Câmara, controlada pelos democratas, Nancy Pelosi, acusa os republicanos de priorizarem a ajuda a grandes corporações, não a famílias e trabalhadores. Os democratas no Senado bloquearam uma versão do projeto nesta segunda, afirmando que ele não garante proteções fortes o suficiente aos trabalhadores e regras mais firmes para empresas que receberem ajuda do governo.

O impasse entre Democratas e Republicanos se concentra em um fundo de U$ 425 bilhões que iria financiar empréstimos para companhias e outros U$ 75 bilhões que iriam para empréstimos a indústrias específicas.

Os Democratas dizem que os fundos não são transparentes o suficiente e não garantem que essas empresas não demitam trabalhadores. Eles propõem que a ajuda do governo vá apenas para empresas que se comprometerem a manter 90% dos empregados.

Câmara e Senado têm que concordar em uma só versão do pacote para enviá-lo para a sanção final do presidente Donald Trump, e Congressistas de ambos os partidos temem passar um texto que implique empréstimos incondicionais ou pouco transparentes a empresas, o que poderia irritar os eleitores.

Ajuda para empresa que não demitir

Do atual pacote de U$ 1,8 trilhões, U$ 350 bilhões serão direcionados para pequenos negócios que não demitam seus funcionários. As pequenas empresas que se comprometerem a não demitir receberiam ajuda em dinheiro garantida pelo governo federal para continuarem funcionando por seis semanas sem demissões. Esses empréstimos seriam perdoados caso o empregador continue a pagar seus funcionários enquanto a crise durar.

– Isso permitirá às pequenas empresas manter as pessoas, e garantir que, quando a economia for reaberta, os negócios estarão funcionando. – disse o secretário do Tesouro em entrevista ao programa Fox News Sunday.

A expectativa do secretário do Tesouro é que os esforços do governo ajudem a estabilizar os impactos econômicos por 90 a 120 dias, para que as empresas possam voltar a funcionar ao fim do período crítico de contaminação pelo coronavírus. Esta é a terceira etapa do plano do governo para lidar com o combate ao vírus. Em fases anteriores, o presidente Trump assinou duas rodadas de pacotes emergenciais que previram financiamento apara agências de saúde federais e seguro desemprego, além de licença medica e assistência com comida e saúde aos americanos.

O economista Gregory Mankiw, da Universidade de Harvard, defende que os pagamentos à população sejam feitos de maneira simples e direta, sem distinção, no momento, sobre quem está em situação vulnerável. A proposta do economista é que cada americano receba um cheque em dólares durante um certo número de meses.

Caso alguma pessoa que tenha recebido o cheque não estivesse em situação tão vulnerável e tenha tido alguma renda ao longo de 2020, isso seria compensado no imposto de renda do ano seguinte, com a cobrança de um imposto extra proporcional. Já, para os americanos que vissem sua renda zerar em decorrência da crise, não haveria cobrança desse imposto.

A ideia de Mankiw é evitar que a identificação sobre quem está mais necessitado seja feita antes do envio de dinheiro, deixando esse processo burocrático para depois e agilizando a ajuda aos mais vulneráveis.

Comércio fechado em Turim, na Itália, pais europeu mais atingido pelo coronavírus Foto: MARCO BERTORELLO / AFP
Comércio fechado em Turim, na Itália, pais europeu mais atingido pelo coronavírus Foto: MARCO BERTORELLO / AFP

Na Europa, governos também criam planos para dar suporte a trabalhadores e prestadores de serviços que tiveram a renda afetada pelas medidas de combate à pandemia.

Reino Unido garante 80% do salário

Ironicamente, o governo do partido conservador britânico, o mesmo que empunhou a bandeira da austeridade fiscal nos últimos dez anos, já avisou que o momento exige “ousadia”, e “não ideologia ou heterodoxia”, como destacou o ministro das Finanças do país, Rishi Sunak.

Em menos de duas semanas, foram anunciados três pacotes de estímulo à economia no valor total de 418 bilhões de libras, cerca de R$ 2,5 trilhões. Os recursos servirão para ajudar as empresas de todos os portes — está suspensa toda e qualquer cobrança de imposto sobre valor agregado (IVA) para o comércio, mas, sobretudo para o trabalhador.

Serão garantidos 80% dos salários até o limite de 2.500 libras por mês (ou R$ 14,8 mil). Os trabalhadores por conta própria, que não serão contemplados por este medida em especial, terão um prazo bem mais longo para pagar os seus impostos. E também contarão com benefícios sociais bem mais generosos.

Os empregadores também terão acesso a cortes de tributos e linhas de crédito que lhes permitam ter dinheiro em caixa para pagar seus funcionários. O salário médio no Reino Unido está em torno de 585 libras (quase R$ 3,5 mil) por semana, ou cerca de 2.340 libras por mês (R$ 13,9 mil).

O governo dinamarquês já avisou que irá cobrir 75% dos salários (até o limite de 23.000 coroas dinamarquesas, ou R$ 17 mil, por mês) nas empresas privadas se elas se comprometerem a não demitir. Na Suécia e no Canadá, por sua vez, também haverá subsídios para o pagamento dos salários dos trabalhadores. Os suecos vão conceder subsídios pesados para compensar 90% dos salários dos trabalhadores, que vão trabalhar menos horas.

Na Itália, é proibido demitir

Já na Itália (o país mais atingido do mundo pela pandemia, com o maior número de mortes) e na França, optou-se por expandir o sistema bem estar social para apoiar a classe trabalhadora. O governo italiano também pagará mais de 500 euros (R$ 2,700) para cada trabalhador por conta própria. O Estado vai vai subsidiar temporariamente os salários de parte daqueles que forem demitidos.

A França liberou 300 bilhões de euros para um programa que suspende contratos de trabalho, mas com o governo garantindo parte do salário.

Tanto na Itália, quanto na Grécia, está proibido demitir durante o período considerado e emergência. O governo grego anunciou que todas as demissões no comércio em geral e nos estabelecimentos que foram obrigados a fechar as portas durante o confinamento serão considerados nulos. E vai conceder 800 euros (cerca de R$ 4,4 mil) no mês de abril a quem perdeu o emprego antes da publicação do decreto de proteção dos trabalhador.

Os espanhóis também estão aumentando os benefícios sociais para os trabalhadores. Mas o segundo país mais afetado pela Covid-19 na Europa já recebe críticas dos nacionais por ainda não ter anunciado até agora medidas que proíbam as demissões, ou compensem parte dos salários dos trabalhadores.

Na Alemanha, optou-se por enquanto por expandir o chamado Kurzarbeitergeld, programa que concede subsídios governamentais para os empregados dispensados durante crises econômicas.

Na Holanda, o governo garantiu o pagamento de 90% do salário dos trabalhadores de empresas que perderam, pelo menos, 20% da receita, por três meses, com estabilidade para o empregado. Portugal adotou a suspensão de contrato, mas garantindo 70% do salário do trabalhador, com isenção da contribuição para seguridade social.

Mesmo com risco de contaminação, centenas de australianos se amontoam em fila para darem entrada no seguro desemprego Foto: WILLIAM WEST / AFP
Mesmo com risco de contaminação, centenas de australianos se amontoam em fila para darem entrada no seguro desemprego Foto: WILLIAM WEST / AFP

Na Austrália, o governo está ajudando as companhias de pequeno porte com faturamento inferior a 50 milhões de dólares australianos, ou R$ 148 milhões, com somas equivalentes à metade do imposto que pagam sobre os salários dos empregados. O governo também vai pagar 750 dólares australianos (cerca de R$ 2,2 mil) para todos os cidadãos de baixa renda no dia 31 de março. Já o Japão, assim como em outros países, anunciou pacotes de ajuda financeira e linhas de crédito para pequenas e médias empresas. Estuda-se conceder a transferência de 12.000 ienes (R$ 554) por cidadão.

Na vizinha Argentina, o governo decidiu pagar 10 mil pesos argentinos, algo em torno de R$ 800, para todos os trabalhadores informais e pequenos contribuintes afetados pela pandemia. A estimativa é que 3,6 milhões de pessoas sejam beneficiadas. Inicialmente, o pagamento será único, no mês de abril, mas é possível que ele se repita em maio caso a crise se estenda.

Brasil propôs 4 meses sem salário, mas recuou

No Brasil, o governo apresentou nesta segunda-feira uma medida provisória liberando a suspensão dos contratos de trabalho, deixando os trabalhadores descobertos. Após críticas, houve o recuo e a promessa de apresentação de uma nova redação nesta terça. Para o professor do Instituto de Economia da UFRJ, Luiz Carlos Delorme Prado, a suspensão de salários é arriscada e vai na contramão da postura adotada por outros países no mundo.

— Essa medida não protege as empresas e pode gerar impacto político muito grande. Ao fazer isso, as pessoas deixam de pagar suas contas. Se você tem financiamento bancário, os bancos deixam de receber e afeta assim o setor bancário. Ninguém tem reserva para ficar quatro meses sem receber. É uma reação em cadeia e demonstra um profundo desconhecimento histórico e que põe em risco não apenas a saúde financeira do país, mas a ordem social.

Prado destaca que a Inglaterra está fazendo negociação entre trabalhadores, Estado e empresas de modo a garantir a renda das pessoas, seja pagando uma parte desses salários ou financiando as empresas para fazê-lo. Para ele, as medidas anunciadas pelo governo brasileiro são semelhantes às adotadas durante o governo de Herbert Hoover, entre 1929 e 1933, no início da Grande Depressão.

— Após a primeira guerra, os Estados Unidos cortaram gastos e as empresas suspenderam salários, demitindo trabalhadores. Isso reduziu o número de pessoas com a capacidade de comprar e jogava a economia mais para baixo. Não podemos deixar a economia afundar. Só o Estado pode fazer isso. Não é uma questão ideológica, não é esquerda ou direita. Independente da orientação política, a estabilidade da sociedade é mais importante do que qualquer coisa.

Na visão de Prado, a experiência histórica mostra que essa é a hora do governo garantir renda das famílias e empresas.

— Nós demos um pouco de azar, porque estamos com um governo que é muito pouco sensível às questões da realidade. É muito pouco realista. Ou a sociedade brasileira e o Congresso Nacional levantam essa bandeira e tentam evitar que o governo promova desastres, porque esse tipo de política é desastrosa. Foi a lição da Grande Depressão e do pós-guerra, principalmente do Plano Marshall e desse período de crescimento acelerado.

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