Mercado imobiliário: preocupação na Europa, oportunidade no Brasil

Em setembro, participei do GRI Europa, evento no qual mais de 500 líderes do setor imobiliário se reuniram durante dois dias, em Paris, para discutir o mercado atual e as perspectivas futuras nos mercados globais e europeus. Como esperado, Jamie Rush, economista-chefe do mercado europeu da Bloomberg, abriu as discussões com uma visão cautelosa sobre os mercados.

Rush destacou que, após os choques da guerra da Ucrânia, o agravamento da crise energética e desaquecimento chinês, a Europa passa por um momento crítico de pressão inflacionária e baixo crescimento. Prova disso é que o cenário de inflação persistente na Europa fez com que o Banco Central Europeu, na sua última reunião, elevasse as taxas de juros em 75 pontos- base em setembro. Em julho, eles já tinham aumentado, pela primeira vez em uma década, os juros em 50 pontos-base.

Nesse contexto de aperto monetário e redução do poder de compra, em que se espera que os salários reais na Europa diminuam mais de 6% até o final do ano, há mais um motivo de preocupação: a demanda por aquisição de moradia tem diminuído e os preços dos ativos devem se deteriorar.

Após anos de valorização imobiliária, em que o custo para aquisição de moradia chegou a aumentar mais de 45%, a expectativa é que os ativos imobiliários estejam, na realidade, supervalorizados. Quase 20 países da Europa apresentam uma combinação de índices de preço dos ativos sobre o aluguel e sobre a renda maiores que na crise de 2008 – um indicativo de que os preços se moveram sem fundamentos válidos.

Enquanto esse fato, por si só, não determina uma crise imobiliária, corrobora para o cenário que estamos vivendo de uma economia global que já está desacelerando e corre o risco de cair em recessão. É importante, nos próximos meses, monitorarmos como os agentes financeiros vão reagir a esse cenário e quanto o crédito imobiliário pode diminuir à luz do aumento dos riscos na concessão de crédito.

O fato é que a queda dos preços dos imóveis corrói a riqueza das famílias, prejudica a confiança dos consumidores e, potencialmente, restringe o desenvolvimento futuro de ativos.

Outro ponto de atenção é o aumento da inadimplência nos financiamentos imobiliários. Com o crescimento das taxas de juros básicas, os créditos de habitação atrelados às taxas variáveis também começam a subir. Enfrenta-se, assim, o risco de descumprimento contratual e redução da disposição dos bancos para conceder crédito.

Por outro lado, mesmo com mais cautela e um cenário que parece não ser tão positivo, os investidores ainda enxergam muitas oportunidades nos mercados no longo prazo, principalmente em setores como moradia para renda (“build-to-rent”), moradia estudantil (“student housing”), logística, data center e moradia para idosos (“senior living”).

No Brasil, o mercado de build-to-rent, ou “construir para alugar”, tem ganhado interessados entre investidores internacionais, ainda que de forma tímida frente às potenciais oportunidades no país. O principal desafio levantado na atração de investidores é o mesmo há tempos: o risco cambial. Nesse sentido, a previsibilidade do novo governo nos aspectos econômicos e fiscais será fator determinante para atrairmos capital estrangeiro de longo prazo para o setor.

Até pouco tempo atrás, fundos com imóveis residenciais para renda eram inexistentes por aqui. Ativos como shopping centers e escritórios, com seu mercado mais consolidado, tinham oferta maior. Hoje, o segmento conta com cinco fundos listados, representativos de menos de 1% da indústria de fundos imobiliários.

O racional é o de que os fundos imobiliários residenciais possuem um potencial de valorização maior do que outros imóveis. Para o investidor, a estratégia é uma alternativa rentável para quem busca renda de aluguel sem as dores de cabeça de quem adquire um imóvel e depois o coloca para alugar.

As mudanças de comportamento das novas gerações, mais afeitas à cultura do compartilhamento, têm feito esse modelo crescer em todo o mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa modalidade representa 80% do segmento de aluguel no setor imobiliário.

Também merece destaque na discussão realizada no evento o ESG no mercado imobiliário – um debate que começa a aparecer aqui no Brasil, mas não com a força que já ganhou no estrangeiro. A percepção geral é que esse é um caminho sem volta. Ainda que muitos possam não observar um claro benefício econômico no curto prazo, investimentos em “empreendimentos verdes” são feitos com o objetivo de não se ter ativos obsoletos em um futuro próximo.

Como já está ocorrendo na Europa, vejo um cenário, não tão distante aqui no Brasil, em que instituições financeiras passem a mensurar com muito mais rigor os impactos de carbono em seus portfólios de empréstimos, fazendo assim com que diversos investidores institucionais passem a não mais financiar com tanta veemência projetos sem essa pegada. Não resta outro caminho senão esse. É preciso agir com inteligência e muito estudo de mercado para dar os próximos passos com segurança.

Valor Econômico, coluna Finanças, por Mucio Mattos, sócio e head de crédito da Vectis Gestão

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