Quando largou, em 2018, 17 anos de magistratura para concorrer ao governo do Rio, Wilson Witzel usava termos como “esquerdopata” para rebater seus críticos. Hoje, o ex-juiz federal mudou. Fez alianças e adotou um discurso mais moderado, com acenos à oposição. Permaneceu, porém, sua promessa de priorizar uma política de combate à violência. Um levantamento dos gastos do estado mostra que o valor destinado à segurança pública aumentou, enquanto verbas liquidadas nas áreas de saúde e educação diminuíram.
Neste primeiro ano da administração Witzel, foram gastos R$ 10,2 bilhões em segurança pública, R$ 1,2 bilhão a mais que nos últimos 12 meses do governo de Luiz Fernando Pezão — o balanço leva em consideração o período entre janeiro e novembro, disponível para consulta no Portal da Transparência. Já as cifras destinadas para saúde (R$ 4,4 bilhões) e educação (R$ 5,9 bilhões) apresentaram queda: foram investidos, respectivamente, R$ 850 milhões e R$ 27 milhões a menos em cada uma dessas áreas, na comparação com 2018.
— É fundamental garantir dias mais tranquilos para a população, mas também é importante melhorar o atendimento nos hospitais e investir no ensino — disse o deputado Renan Ferreirinha (PSB).
Secretário estadual de Ciência e Tecnologia, Leonardo Rodrigues vê o levantamento de maneira favorável:
— Em cinco anos, é a primeira vez que o governo do estado cumpre o mínimo constitucional de gastos na educação.
Homicídios caíram 20%
Apesar de Witzel receber críticas por conta do número de mortes em confrontos com a polícia — 1.686 até novembro, o maior desde o início da série histórica, em 1998 —, dados do Instituto de Segurança Pública apontam que o estado atingiu o menor índice de homicídios dolosos em 28 anos (a estatística começou a ser contabilizada em 1991). Foram 3.669, contra 4.604 registrados entre janeiro e novembro de 2018 (20% a menos).
Durante a campanha eleitoral, Witzel pregou o voto em Jair Bolsonaro e postou fotos ao lado do então candidato ao Senado Flávio Bolsonaro. Hoje, o governador é visto como traidor pelo núcleo do presidente, por assumir abertamente o desejo de disputar a eleição ao Planalto em 2022. Já a esquerda, antes tão criticada pelo governador, passou a ser tratada como aliada.
— Somos conservadores, mas não somos intolerantes. Do contrário, não seríamos um partido cristão — disse o governador durante um café da manhã com jornalistas, que aconteceu este mês.
Witzel analisa uma proposta de fusão que seu partido, o PSC, recebeu do PSL, antiga legenda de Bolsonaro. Paralelamente, abre canais de diálogo com a esquerda no Rio. Sancionou uma lei proposta pelo PSOL que homenageou a vereadora assassinada Marielle Franco com a criação do Dia Estadual dos Defensores de Direitos Humanos e classificou como “lambança” a iniciativa da prefeitura de censurar, na Bienal, um livro em quadrinhos que mostra um beijo gay. Além disso, o governador fez as pazes com o filho Erick, que é transgênero e, durante a campanha, criticou o pai afirmando que “se sentiu usado”. Águas passadas.
A aproximação de Witzel com o centro e a esquerda e a tentativa de se dissociar da direita radical têm o objetivo de, como no dito popular, matar dois coelhos com uma cajadada só: garantir a governabilidade na Assembleia Legislativa (Alerj) e ampliar o leque de alianças partidárias para uma eventual candidatura presidencial. Ele está convicto de que se tornou um articulador da política nacional.
— Hoje, vários partidos me veem como uma liderança, uma voz nacional. Tenho que sinalizar para essas legendas aquilo que penso, o que o Brasil precisa para sair do marasmo em que estamos. Tenho recebido presidentes de partidos para conversar sobre a política do país — diz Witzel, acrescentando que, nas reuniões, passa orientações sobre as votações no Congresso, sem tratar da disputa de 2022.
O governador teve, recentemente, encontros com o deputado federal Paulinho da Força, sindicalista que preside o Solidariedade (SD), e o ex-presidente da República Michel Temer, um dos caciques do MDB — curiosamente, o emedebista chegou a ser preso, em março, por ordem do juiz federal Marcelo Bretas, amigo de Witzel e responsável pela Operação Lava-Jato no Rio.
Nas duas conversas, houve troca de impressões sobre o primeiro ano do governo Bolsonaro e a abertura de um canal para possíveis alianças partidárias em 2022. Tanto Temer quanto Paulinho da Força são representantes do chamado “centrão”.
Na Alerj, Witzel conta com o apoio do presidente da Casa, André Ceciliano, do PT. Outros partidos de esquerda, como o PSOL, apoiaram o governo em votações estratégicas, como a aprovação do Fundo Estadual de Combate à Pobreza, que garantiu R$ 4,3 bilhões a mais ao Palácio Guanabara em 2020. A maior oposição vem de parte da bancada do PSL que, no cabo de guerra que se formou entre o governador e Bolsonaro, ficou ao lado do presidente — alguns parlamentares da legenda, contudo, permanecem com Witzel.
Embates perderam fôlego
Nas pautas ideológicas, principalmente nas que dizem respeito à segurança pública, no entanto, é a esquerda, com o PSOL, que tem feito a oposição mais ferrenha. Em maio, a deputada psolista Renata Souza chegou a representar contra Witzel na ONU, por conta do sobrevoo que o governador fez de helicóptero em Angra dos Reis, durante o qual policiais dispararam contra uma área de vegetação. De lá para cá, no entanto, os embates diminuíram.
— De fato, houve uma mudança de postura do Witzel nos últimos meses. Ele parou de repetir o discurso do “tiro na cabecinha” — avalia Flávio Serafini, líder do PSOL.
Para 2020, o principal desafio de Witzel será fazer com que o estado permaneça no Regime de Recuperação Fiscal e postergue o pagamento de dívidas com a União. Apesar de Bolsonaro não recebê-lo, o governador tem participado de reuniões com o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Promessa de ‘asfixia’ nas finanças do crime organizado
O governador Wilson Witzel afirmou nesta segunda-feira que, em 2020, dará início a uma “segunda etapa” de sua política de segurança, na qual irá priorizar uma “asfixia” nas finanças do crime organizado. Ele disse que a Polícia Civil intensificará investigações sobre esquemas de lavagem de dinheiro do tráfico e da milícia.
— Nós tivemos um pequeno atraso nessa nova etapa. As operações deveriam ter sido iniciadas no fim deste ano, mas, em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal que represou relatórios de inteligência do Coaf (a Corte havia suspendido, por meio de uma liminar, o compartilhamento de dados de controle financeiro), essas operações foram um pouco prejudicadas, mas já voltaram a acontecer — destacou o governador em entrevista ao “Bom Dia Rio”, da Rede Globo. — Não é só essa política (de enfrentamento) que estamos trabalhando. O Estado do Rio não tinha um departamento de investigação de lavagem de dinheiro nem de tráfico de armas. Nós iniciamos esse departamento. A Polícia Civil foi reestruturada para isso. Trouxemos mais de 300 concursados na papiloscopia, área que também é muito importante nas investigações.
Mesmo criticado pelo alto número de mortes em confrontos com a polícia, Witzel voltou a defender sua política de enfrentamento:
— São milhares de operações que foram realizadas. Ninguém aqui deseja que qualquer pessoa venha a sofrer qualquer tipo de violência por conta das operações da polícia. Mas, se a polícia não agisse, nós teríamos hoje, em relação ao ano passado, mais de mil pessoas mortas.
Witzel também descreveu como “erros que têm de ser investigados” as mortes de inocentes durante operações, e citou como exemplo o caso da menina Ágatha Vitória Sales Felix, de 8 anos, baleada no Complexo do Alemão em 20 de setembro. O cabo da PM Rodrigo José de Matos Soares foi denunciado pelo Ministério Público estadual como autor do disparo, e responde pelo crime de homicídio duplamente qualificado.