As incorporadoras de média e alta renda listadas em bolsa enfrentam um segundo trimestre bastante desafiador, do ponto de vista de lançamentos e vendas, que irá se refletir na composição da receita e do resultado líquido do período. Já as empresas com foco na baixa renda têm encontrado menos dificuldades para a comercialização de seus produtos e tendem a ganhar participação de mercado à medida que as marcas têm mais valor em um ambiente de incerteza.
A perspectiva de reabertura dos estandes de vendas na cidade de São Paulo – maior mercado imobiliário do país – traz algum alento para as incorporadoras com foco nos padrões médio e alto, mas ainda não está claro se isso vai significar, para alguma delas, apresentação de projetos já no mês de junho, ou se as atenções ainda tendem a se concentrar na retomada gradual dos lançamentos.
“As incorporadoras das rendas média e alta com menor estoque – Mitre Realty e Trisul – tendem a ser as primeiras a tatear o mercado de lançamentos”, diz um analista setorial que pediu para não ser identificado. Outro analista avalia que o cenário de “curtíssimo prazo” será pior para o segmento do que para o de baixa renda, mas que, no médio prazo, ambos tendem a estar saudáveis, cada um à sua maneira.
Esse analista ressalta que o risco de excesso de oferta de unidades dos padrões médio e alto, em 2021 e 2022, decorrente do esperado crescimento acelerado após os lançamentos iniciais de ações (IPOs) e ofertas subsequentes de ações (follow-on), deixou de existir quando, apesar de capitalizadas, as incorporadoras tiveram de frear novos projetos.
O analista do Itaú BBA, Enrico Trotta, diz esperar queima de caixa pelas companhias de média e alta renda no segundo trimestre, pois as vendas de unidades em estoques caíram, as obras estão em curso e é preciso fazer o pagamento dos terrenos já adquiridos.
Na avaliação de Trotta, o quarto trimestre será “mais normal” para as incorporadoras do segmento na cidade de São Paulo. “Nas outras regiões, o mercado ainda estará de lado”, diz o analista do Itaú BBA. Ele destaca que os fundamentos do setor imobiliário continuam muito positivos, com a taxa básica de juros Selic no menor patamar histórico e interesse dos bancos pela concessão de crédito à habitação.
Há quem tenha expectativa de aumento dos distratos – cancelamentos de vendas – de imóveis de média e alta renda, em função da piora da economia e da queda da confiança, mas nada que se compare aos volumes registrados, principalmente, entre 2013 e 2017. A regulamentação das multas em caso de rescisão de compra de imóveis foi assinada no apagar das luzes do governo de Michel Temer, em 2018.
Desde o início da pandemia de covid-19, incorporadoras com atuação no segmento de médio e alto padrão têm buscado reinventar sua forma de vender imóveis, com visitas virtuais e uso de outras ferramentas digitais, mas a comercialização online ainda se mostra desafiadora quando se leva em conta o perfil mais exigente de clientes e o fato de que, em boa parte das aquisições, o comprador pretende migrar para um imóvel maior ou melhor localizado, decisão que tende a ser postergada em momentos de crise e incerteza.
No segmento de baixa renda, a compra costuma ser do primeiro imóvel, com substituição do desembolso do aluguel pelo da prestação. A possibilidade de carência de 180 dias para início do pagamento à Caixa Econômica Federal – no segmento, o repasse dos recebíveis do cliente para o banco é feito na planta – é um dos fatores que tem contribuído para o bom desempenho das vendas online. “Os discursos das empresas de baixa renda são de números fortes em abril e maio”, afirma um analista.
Por outro lado, as margens das incorporadoras com principal atuação no programa habitacional Minha Casa, Minha Vida poderão ser pressionadas pela concessão de abatimentos de preços para acelerar a venda de imóveis. A MRV – maior empresa do setor e principal operadora do programa – tem concedido, desde a segunda quinzena de março, descontos aos clientes. De acordo com o copresidente Rafael Menin, volume e geração de caixa têm sido prioridades da companhia em relação a margens.
Para as incorporadoras de baixa renda, o gargalo não está na venda de produtos, mas na dependência que os lançamentos têm da obtenção de licenças junto às prefeituras, que não estão trabalhando a pleno vapor, devido às medidas de isolamento adotadas na quarentena.
No primeiro trimestre, Cyrela, Direcional Engenharia, Even Construtora e Incorporadora, EZTec, Gafisa, Mitre, Moura Dubeux, MRV, PDG Realty, RNI Negócios Imobiliários, Tecnisa, Tenda, Trisul e Viver Incorporadora lançaram R$ 3,217 bilhões, com queda de 16,3%, ante o mesmo período de 2019. Se desconsiderados os dois lançamentos do empreendimento Fasano realizados pela Even, no primeiro trimestre do ano passado, que distorcem a base de comparação, houve leve redução de 0,9%. Já as vendas líquidas aumentaram 4,1%, para R$ 4,409 bilhões.
O resultado líquido consolidado das companhias teve queda de 99,5%, na comparação anual, para R$ 500 mil. A receita líquida consolidada caiu 8,6%, para R$ 4,531 bilhões. A margem bruta setorial se manteve em 30,1%. A alavancagem medida por dívida líquida sobre patrimônio líquido teve forte redução de 44,1% para 22,3%. O baixo endividamento da maioria das incorporadoras e as captações que vêm sendo feitas se mostram fundamentais neste momento de crise. Rossi Residencial e Helbor ainda não divulgaram balanço.