Profissionais que não podem fazer quarentena, como funcionários de supermercados e vigilantes, ou mesmo pessoas que precisam sair de casa para resolver algum assunto urgente, além do risco de contaminação pelo coronavírus, estão enfrentando dificuldade de deslocamento dentro da cidade. É que, segundo reclamam, as linhas de ônibus municipais estão circulando com menos veículos, reduziram o horário de operação ou, em alguns casos, simplesmente pararam de rodar. O problema é maior na Zona Oeste, onde a situação de falta de transporte que já era ruim antes da pandemia e se agravou desde o início da crise do coronavírus.
Fiscal de caixa de um supermercado no Méier, Ana Paula Chaves de Aguiar, de 37 anos, moradora de Senador Camará, na Zona Oeste, ficou surpresa na quarta-feira passada ao chegar no ponto de ônibus e não encontrar o 918 (Bangu-Bonsucesso), que a levaria a até a estação da Supervia em Bangu, onde ela pega outra condução para o trabalho. Ao ligar para a garagem, a passageira foi informada que a suspensão da linha é por tempo indeterminado.
— Era o único ônibus que me servia. Agora tenho de pegar uma van ou caminhar de 15 a 20 minutos até o ponto final do 393 (Bangu-Candelária). Como trabalho à noite e saio muito tarde, a empresa paga o Uber na volta para casa — disse a passageira, que tem ligado para a garagem da empresa de ônibus todos os dias, recebendo sempre a mesma resposta.
O comerciário Rafael Monteiro, de 26 anos, reclamou do sumiço, nos últimos dias, de pelo menos três linhas em Santa Cruz, onde mora. Segundo ele, a 898 (Sepetiba-Campo Grande), a 870 (Santa Cruz-Sepetiba), sua variante SV 870, que faz o trajeto pela Estrada do Piaí, e a 17 (Santa Cruz-Campo Grande) não são mais vistas nas ruas desde que a crise do coronavírus se instalou.
Em alguns casos, segundo o passageiro, a linha vai desaparecendo aos poucos, com a redução de veículos, até sumir por completo. Foi o que ele disse ter ocorrido com a 17, criada para atender o eixo da Avenida Cesário de Melo após o fechamento das 22 estações do BRT desse trecho. Dessas, apenas três paradas foram reabertas (General Olímpio, Gastão Rangel e Cajueiro). Por isso, a linha ainda é tão importante para os moradores. Mas nesta terça, no ponto final, em Santa Cruz, até a cabine do despachante estava fechada. A placa indicando o ponto estava coberta pelo mato.
— O reflexo disso é o isolamento total, por falta de opção de transporte, para quem mora no Cesarão, Cesarinho, Cosmos e Vila Paciência. Para ir até Campo Grande, ficamos reféns das vans ou temos de gastar com carros de aplicativo. Outra opção é mudar o itinerário, fazendo baldeação. A situação, que já era ruim, piorou depois do coronavírus — reclamou.
Em linhas como a 341 (Taquara-Candelária), o problema é a frota reduzida. Um motorista contou que ele e outros colegas foram liberados do trabalho para ficarem isolados em casa, e o itinerário, que tinha pouco mais de 20 carros, está com seis veículos apenas. O mesmo problema afetaria também a 338 (Taquara-Candelária), da mesma empresa, que faz o trajeto pela Linha Amarela. No ponto final das duas, no Centro, o despachante avisava ontem a quem chegava da demora, nunca inferior a 30 minutos. O resultado disso são ônibus lotados nos horários de pico.
— Em vez de aumentar a frota para evitar ônibus cheios, principalmente nos horários de pico, estão diminuindo. Isso é impraticável — protestou o consultor financeiro Carlos Mário Passos, de 61 anos, morador da Freguesia que trabalha no Centro.
Linhas como a 790 (Cascadura-Campo Grande) e 853 (Mato Alto-Vila Kennedy) até são vistas nas ruas. O problema é que param de rodar mais cedo. Isso tem trazido transtornos para o vigilante Fábio Batista Fagundes, de 49 anos, que depende da primeira para se ir de casa, em Campo Grande, para o trabalho no Méier. Os coletivos, que antes rodavam até depois da meia-noite, agora param bem mais cedo.
— Trabalho no Méier das 11h às 23h. Na ida, é tranquilo, porque pego uma van ou outra condução até Campo Grande e, de lá, sigo de trem. Mas na volta não tem essa última opção, pois o trem para às 23h10. Aí, eu pegava o 790 em Cascadura, onde tem a opção de fazer o trajeto pela Vila Kennedy, que saía às 23h30, ou pela Vila Aliança, que partia à meia-noite e quinze. Mas o despachante disse que, por conta dessa doença, mudou o horário. O último parte às 22h. Então, estou ficando na pista. Estou tendo que contar com a colaboração do responsável pelo setor para me liberar mais cedo.
O operador de caixa Leandro Silva, de 35 anos, morador de Campo Grande, contou que no domingo ficou mais de uma hora no ponto esperando pelo 853.
— Demorou tanto que desisti. O maior problema são os trabalhadores de serviços essenciais. Muitos estão ficando nas ruas depois das 22h. Depois desse horário, só tem vans e muitas não aceitam RioCard, só dinheiro — desabafou, relatando problemas como sumiço e redução de frota também nas linhas 298 (Castelo-Acari) e 908 (Bonsucesso-Guadalupe).
Procurada, a Secretaria Municipal de Transportes (SMTR) afirmou que não há determinação para que a frota seja reduzida. Em nota, informou estar atenta aos serviços prestados pelos ônibus municipais e disse que oficiou os consórcios para que cumpram a determinação de que os passageiros sejam transportados sentados, seguindo as recomendações dos órgãos de saúde. “Desde o início das ações contra a disseminação do coronavírus, a SMTR já aplicou 133 multas por lotação nos coletivos. Os fiscais seguem percorrendo a cidade para verificar os serviços. Atualmente, a frota total de ônibus é de 5.955 veículos”, completou.
Já o Rio Ônibus afirmou que o poder público não deu nenhum suporte ao setor até o momento. “As empresas têm feito um enorme sacrifício de colocar parte da frota na rua de maneira a atender de forma satisfatória cerca de 20% da demanda habitual. Sem medidas concretas das autoridades competentes, o Rio Ônibus alerta para o colapso eminente”, disse em nota.