Notas sobre o primeiro ano do Novo Marco do Saneamento

Em seu primeiro aniversário, o novo Marco Regulatório do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020), sancionado em 15 de julho de 2020, já apresenta resultados promissores e desafios em fase de superação para o cumprimento do arrojado cronograma de universalização dos serviços.

Importantes medidas regulamentares do Novo Marco já foram publicadas, como, por exemplo, o Decreto nº 10.588/2020, que trata do apoio técnico e financeiro da União e o Decreto nº 10.710/2021, que detalha as formas de comprovação da capacidade econômico-financeira das prestadoras de serviço.

Outros marcos temporais fundamentais para a consolidação do Novo Marco são o mês de julho deste ano, data-limite para que os Estados estabeleçam unidades para garantir a prestação regionalizada, e dezembro de 2021, prazo de requerimento da comprovação da capacidade econômico-financeira (vide art. 10 do Decreto nº 10.710/2021). Ainda, até março de 2022 deverão ser incluídos nos contratos em vigor as metas de universalização dos serviços e em dezembro de 2022 encerra-se o prazo para publicação dos planos de saneamento básico (art. 19 da Lei nº 14.026/2020). Resta claro, portanto, que ainda há um longo caminho a ser percorrido para garantir o sucesso de longo prazo das novas medidas, em meio a um cronograma desafiador e metas ambiciosas.

Há em trâmite, inclusive, o Projeto de Lei nº 414/2021 que objetiva prorrogar alguns dos prazos previstos no Novo Marco em razão da pandemia de COVID-19. O Projeto de Lei pretende alterar o prazo para inclusão das metas de universalização de 31.03.2022 para 30.11.2022 e prorrogar de 15.07.2021 para 15.07.2022 o prazo para que os entes titulares implementem a cobrança pelos serviços de coleta de resíduos sólidos.

Em um breve balanço do primeiro ano do Novo Marco, é possível destacar o sucesso dos últimos leilões do setor, sendo 04 leilões para concessão dos serviços de saneamento e esgotamento sanitário (Alagoas, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul), bem como outros projetos de concessão em diferentes estágios de evolução, tais como: Amapá, Rio Grande do Sul, Ceará e Porto Alegre, excluídos os diversos projetos de PPP para o setor de resíduos sólidos urbanos.

Quando o tema é regionalização, não obstante alguns dos Estados estarem avançando a passos largos, ainda são diversas as incertezas que tangenciam os processos de implementação. De acordo com o primeiro levantamento do Painel ABCON/SINDCON[1], são mais de 11 os Estados que já aprovaram leis ou possuem em trâmite projetos de lei para estabelecer e operacionalizar os blocos de Municípios. Não há dúvidas de que a regionalização é ferramenta crucial para os ganhos de escala necessários para o atingimento das metas de universalização, mas ainda não é possível afirmar com certeza como se dará a atuação intempestiva dos entes federativos na formulação da regionalização (blocos de referência, regiões metropolitanas ou unidades regionais), tendo em vista o término do prazo no último dia 15 de julho, bem como qual será o limite de atuação da União na constituição dos blocos. Será necessário um olhar atento sobre como serão implementados os projetos de regionalização (i.e. planejamento, modelagem, financiamento, regulação e governança) e qual será o papel das normas de referência da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (“ANA”) e da atuação das agências subnacionais para regulação dos blocos e entidades regionalizadas.

Outra grande incerteza é com relação à publicação das normas de referência nacional, a serem elaboradas pela ANA. Espera-se que seja publicada a proposta de referência para reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

Isto é, ainda que tenha sido o publicado o Decreto nº 10.710/2021, enquanto a norma de referência da ANA não for publicada, não será possível determinar os parâmetros referenciais para a indenização de ativos ainda não amortizados.

De acordo com a Agenda Regulatória da ANA, verifica-se que já há certo atraso na publicação das normas de referência relacionadas (i) ao conteúdo mínimo dos contratos de concessão e de programa; (ii) padrões e indicadores de qualidade/eficiência e avalição; e (iii) reequilíbrio econômico-financeiro nos contratos de concessão. Ainda que fundamentais, é imperiosa a necessidade de estudos internos elaborados, consultas e audiências públicas com os players do setor para que possamos garantir a efetividade e exequibilidade das novas normas, uma vez que deverão ser observadas em âmbito nacional. Nesse contexto, a pressa costuma ser inimiga da boa regulação, que demanda profunda reflexão e amplos debates.

Finalmente, observa-se que a articulação interfederativa, por meio da comunhão de esforços e a colaboração entre os diversos titulares por meio da prestação regionalizada pode ser a chave para destravar investimentos relevantes no setor de saneamento e garantir o cumprimento das metas de universalização, mas iniciativas mais contundentes no que diz respeito às agências subnacionais ainda engatinham.

Fato é, não obstante os claros avanços nesse primeiro ano do Novo Marco do Saneamento, o sucesso do novo modelo está intrinsecamente relacionado à elaboração e implementação das normas de referência e adoção das diretrizes pelas agências e órgãos regionais, garantindo harmonização regulatória e segurança jurídica para os investimentos no setor.

Certamente, há motivos para celebrarmos, mas sem perder de vista a visão do todo, que revela um amplo horizonte, ainda repleto de dúvidas e desafios. O importante é que, tendo o Novo Marco com um norte orientativo, sigamos focados em desenvolver bons projetos e atrair investimentos para viabilizar a universalização dos serviços de saneamento no Brasil.

Portal JOTA, por Mariana Saragoça, advogada, sócia do escritório Stocche Forbes, que atua nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação, e Julia Barker, advogada da equipe de Direito Regulatório do Stocche Forbes Advogados.

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