Construções irregulares: Recreio é alvo da maior parte das ações de demolição

Área nobre da Zona Oeste com espaços ainda a serem explorados, o Recreio dos Bandeirantes é hoje um dos alvos preferenciais dos criminosos que buscam lavar dinheiro com construções irregulares — e também da Prefeitura do Rio, que vem investindo em ações constantes, quase diárias, de combate a este tipo de ilegalidade. A Área de Planejamento 4 da cidade (que inclui Barra, Recreio, Itanhangá, Jacarepaguá, Anil, Gardênia Azul, Cidade de Deus, Curicica, Freguesia, Jacarepaguá, Pechincha, Tanque, Taquara, Praça Seca, Camorim, Vargem Pequena, Vargem Grande e Vila Valqueire) é onde a maior parte das ações se concentra. Em 2021, 57% das construções irregulares demolidas no Rio, ou 248 imóveis, estavam localizados na AP4, sendo 50 no Recreio. Este ano, a tendência se mantém, e os números no bairro explodiram: até o início de maio, já haviam sido feitas 131 demolições na AP4, ou 61,5% do total na cidade, sendo 100 delas no Recreio. Rio das Pedras e Muzema são outros pontos da região onde surgem cada mais imóveis ilegalizáveis.

— As construções irregulares precisam ser combatidas para evitar tragédias como a da Muzema — explica Brenno Carnevale, o secretário de Ordem Pública, que também tem sob sua alçada a Defesa Civil. — Esse um

Construções irregulares contribuem para adensamento populacional, trânsito, aumento de despejo indevido de lixo e esgoto e problemas no abastecimento de água. Por isso, as ações da Seop são multidisciplinares, e envolvem diversos órgãos, como o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público, a Polícia Militar, a Guarda Municipal, a Light, a Rio-Águas, a Comlurb, a concessionária Iguá Saneamento e subprefeituras.

As construções irregulares são mapeadas a partir de investigações de órgãos como a Gaeco ou da própria secretaria ou de denúncias feitas por moradores dos arredores ou proprietários do local invadido, que procuram a pasta, o 1746, o Disque-Denúncia ou a imprensa. A Seop estima que o valor dos empreendimentos derrubados este ano, até agora, signifique um rombo de R$ 80 milhões nas contas dos criminosos. No Recreio, todas as áreas onde a pasta vêm agindo estão sob o controle de milícias, que, inclusive, enviaram ameaças de morte ao secretário.

Equipe da prefeitura durante demolição de dois centros comerciais e uma loja de material de construção em frente à estação do BRT Notre Dame — Foto: Divulgação/ Paulo Mac Culloch
Equipe da prefeitura durante demolição de dois centros comerciais e uma loja de material de construção em frente à estação do BRT Notre Dame — Foto: Divulgação/ Paulo Mac Culloch

— A maior parte das construções irregulares acontece em áreas dominadas pela mílícia. A municipalidade tem atuação limitada na de segurança pública, mas a minha secretaria tem interface com as polícias e o Ministério Público. Em função da minha carreira (Carnevale é delegado) tenho a visão de que asfixiar o crime organizado do ponto de vista financeiro, com as demolições, é mais contudente do que fazer prisões. Acabamos atingindo todo o grupo, que geralmente faz essas obras para lavar dinheiro — salienta.

De acordo com o secretário, há diferentes mílicias em Rio das Pedras, Muzema e Recreio. Segundo informações que obteve, as ameaças à sua vida partiram do grupo que atua no Terreirão.

— A grilagem de terras sempre foi uma maneira de esses grupos ganharem dinheiro. E a AP4 é muito visada porque é atrativa do ponto de vista imobiliário, além de estar próxima à praia, ter acesso a serviços, transporte público, muitos shoppings e estar perto da Zona Sul e da Linha Amarela — diz.

Uso de satélite para o mapeamento

Na última quarta-feira, uma equipe do GLOBO-Barra acompanhou uma operação para demolição na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, quando foram derrubadas 47 estruturas irregulares, como boxes, trailers, lava-jatos e construções de alvenaria, e desfeitas 42 ligações clandestinas de luz e 15 de água. Este tipo de ação começa cedo, por volta das 6h, e tem um grande número de envolvidos: desta, participaram 57 profissionais, de Seop, Subprefeitura de Jacarepaguá, Secretaria de Conservação, Guarda Municipal, Rio Luz, Light, Iguá, Comlurb e Polícia Militar.

As equipes saíram do 18º BPM, na Freguesia, em um comboio que incluía um caminhão com uma retroescavadeira. No primeiro local, a Avenida Marisa Letícia Lula da Silva, havia boxes usados para venda de bebida e comida, principalmente. O clima costuma ser tenso. Não demorou para moradores dos arredores aparecerem, muitos deles dirigindo palavras hostis à equipe. Alguns filmavam a operação, outros ligavam para os “donos” dos espaços, que chegaram pouco depois para retirar dos boxes o que podiam. À medida em que os agentes iam adentrando a Colônia, eram cercados por mais moradores, alguns bastante exaltados, bradando que a prefeitura estava tirando o sustento de trabalhadores e não prestava outros serviços necessários à população, como saúde e educação. Do telhado de algumas casas, homens registravam as cenas. Outros circulavam continuamente, de bicicleta.

O prazo entre a descoberta de uma construção irregular e sua demolição é de cerca de três meses. O primeiro passo é identificar se o terreno é público ou particular e se o imóvel está dentro dos padrões urbanísticos da área, ou seja, se é legalizável. Depois, os responsáveis são notificados sobre as providências necessárias. Se o terreno for privado, a Secretaria municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação (SMDEIS) precisa dar o aval para a demolição.

— Quando são ilegalizáveis, a providência imediata é a demolição. Então, programamos a operação. Infelizmente, muitas vezes somos impedidos de fazê-la por ações judiciais (liminares) que entendem que devemos esperar (muitas decisões tomadas em plantões judiciais determinam que a prefeitura aguarde até o juiz do caso analisá-lo novamente) — explica o secretário Brenno Carnevale. — O problema é que essas obras acontecem muito rápido, principalmente porque os responsáveis não querem ficar com o dinheiro na mão; precisam lavá-lo. Ainda há mais dificuldade quando alguém se diz morador do local: com isso, é preciso fazer uma desapropriação com direito a compensação financeira, o que onera o poder público — afirma.

O secretário conta que o Recreio é um dos locais onde mais estão sendo obtidas liminares para impedir as demolições nos últimos meses. Segundo ele, é a milícia do Terreirão que tem entrado com uma série ações judiciais para tentar preservar suas construções irregulares.

— A dificuldade que estamos tendo para fazer nosso trabalho me preocupa. A maioria dos prédios não pode ser legalizada, tem indícios de ligação com grupos criminosos e, quanto mais o tempo passa, menos chances temos de concluir a demolição. Algumas decisões impedem a obra de continuar; outras só impedem o município de demolir.

A Seop usa tecnologias como drones para mapear áreas com empreendimentos ilegais, e até o fim do ano deve começar a utilizar também satélites para identificar essas regiões. Está prevista ainda a criação de um Centro de Controle e de Fiscalização de Construções Irregulares para otimizar o fluxo de informações.

— Os satélites já são usados pelo Instituto Pereira Passos. Estamos disputando uma ferramenta que seria gratuita para o município para poder usar essa tecnologia. A resposta deve chegar até o fim do ano, estimo que em outubro — adianta Carnevale.

O Globo

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