Imóveis históricos de donos ilustres são colocados à venda no Rio

Imóveis de personalidades à venda na cidade do Rio. Casa do Barão de Mauá, na rua Pascoal Carlos Magno, em Santa Teresa

O casarão em Botafogo abrigou as primeiras reuniões em torno do que viria a ser a Constituição de 1988. Décadas antes, em um sobrado no Centro, em 1930, um cliente dos almoços oferecidos na pensão local gostou da voz da filha da dona e assim o mundo começou a descobrir uma das maiores estrelas do showbizz brasileiro. Endereços como os da Rua Dona Mariana 63, onde viveu o jurista Afonso Arinos de Melo Franco, e da Travessa do Comércio 13, casa da cantora Carmen Miranda entre 1925 e 1932, integram uma lista muito especial de imóveis disponíveis para venda ou aluguel na cidade. São bens protegidos por regras de preservação de patrimônio, que tiveram moradores ilustres e serviram de cenário para a História do país.

— Esses endereços trazem um aspecto concreto para a História que conhecemos dos livros. Poder estar no mesmo prédio onde uma figura memorável passou ou viveu é uma oportunidade e um privilégio. A gente deveria valorizar mais esses aspectos históricos. Mas o valor arquitetônico também é importante. Tudo isso dá uma dimensão bonita da cidade. O essencial é que tenham usos imediatos, com olhar estratégico, principalmente por parte do poder público. E não apenas como investimento — avalia o arquiteto e urbanista Washington Fajardo, ex-secretário municipal de Planejamento Urbano.

Preservação e uso

Com autorização da Câmara Municipal, concedida em 2021, a prefeitura tenta vender a casa que por décadas foi moradia e escritório do jurista e imortal Afonso Arinos de Melo Franco (1905-1990). O imóvel, avaliado em R$ 12,5 milhões, tornou-se bem municipal nos 1990, em uma tentativa de preservação da casa e da biblioteca do ex-senador, que presidiu a comissão de governo encarregada de elaborar o esboço da Constituição de 1988. O endereço já foi sede de instituições como o IRPH (Instituto Rio Patrimônio da Humanidade), ligado à prefeitura, responsável por seu tombamento provisório.

Seu vizinho, na mesma Rua Dona Mariana, e também tombado pelo município, o casarão da antiga clínica do cirurgião plástico Ivo Pintaguy (1923-2016) segue de pé, mas em parte do terreno está em construção um condomínio residencial com 39 unidades em dois blocos, com entrega prevista para abril de 2023.

Pela legislação em vigor, informa a presidente do IRPH, Laura di Biasi, prédios de até seis pavimentos podem ser construídos em parte do terreno da casa de Afonso Arinos, desde que o futuro projeto mantenha a identidade do imóvel tombado.

— O tombamento não interfere tanto assim em seu uso. Adaptações são possíveis para a realidade de hoje, como a instalação de aparelhos de ar-condicionado. A gente trabalha caso a caso avaliando o potencial dos imóveis. Um bom exemplo disso é o Museu de Arte do Rio (MAR) — diz Laura.

Na construção do MAR, foram incorporados dois históricos imóveis da região: o Palacete Dom João (1910) e um prédio onde já funcionaram a antiga rodoviária do Rio e a 1ª DP (nos anos 1940).

Descendentes de Afonso Arinos acompanham com preocupação o futuro da casa. Lembram, por exemplo, que a coleção de livros do patriarca, considerada na época a maior biblioteca jurídica do país, está encaixotada.

— A família está preocupada devido à tradição do Rio de não manter seu patrimônio. A gente entende que a prefeitura precisa de dinheiro, mas temos uma série de dúvidas. A casa está tombada de forma provisória há 30 anos. Se é para preservar, porque até hoje não houve o tombamento definitivo? O imóvel é uma referência da política brasileira. Meu avô presidiu o anteprojeto da atual Constituição, que foi elaborado na casa em colaboração com intelectuais e especialistas — conta Cesário Mello Franco, neto de Afonso Arinos.

Laura de Biasi, do IRPH, argumenta:

— É trabalhoso reunir documentos nos cadastros de bens tombados. De qualquer forma, a legislação sobre o tombamento provisório já garante a proteção.

Na Travessa do Comércio 13, perto do histórico Arco do Teles, um imóvel particular, precisando de restauração, é oferecido para aluguel por R$ 8 mil. A recuperação da casa onde viveu a cantora Carmen Miranda terá que ser feita sob a orientação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Na Rua Cosme Velho, Zona Sul do Rio, a antiga residência do jornalista e escritor Austregésilo de Athayde (1898-1993), também membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), hoje abriga uma creche, mas a família proprietária vem recebendo sondagens para a venda.

Investimento em história

No bairro de Santa Teresa, no centro do Rio, dois patrimônios históricos tombados se encontram em estágios bem distintos de preservação. Uma propriedade na Rua Paschoal Carlos Magno, em terreno de 1,3 mil metros quadrados, está à venda por R$ 5 milhões. O casarão em mau estado, mas imponente, já serviu de moradia para uma série de nomes notáveis. O primeiro deles, Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá (1812-1889), chegou em 1837, quando o acesso ao bairro ainda era em lombo de burro. Depois, passaram por lá o poeta Manuel Bandeira (1886-1968), além dos artistas plásticos Djanira (1914-1979), Carlos Scliar (1920-2001) e Milton Dacosta (1915-1988). Hoje nas mãos de uma rede hoteleira, o imóvel, fechado há dez anos, precisa, para começar, de reforma na fachada — medida necessária para garantir a isenção do IPTU, fixado em R$ 34.843.

— Além da questão histórica, o imóvel está em um ponto excelente. Imagino que possa ser aproveitado para abrir um bom restaurante com outros serviços de alimentação — diz o empresário Claudio Castro, diretor da Sérgio Castro Imóveis, que tenta encontrar um comprador.

Segundo Castro, entre os principais interessados nesse tipo de investimento estão estrangeiros, que compram imóveis históricos degradados, recuperam e revendem com lucro. Ele cita como exemplo outro endereço no bairro, o Castelo Santa Teresa , também tombado. O imóvel pertenceu à família de Alim Pedro (1907-1975), que foi prefeito do então Distrito Federal em 1954 e 1955. Depois de ser comprado e restaurado por empresários europeus, o lugar funciona como hotel-residência com todos os 20 quartos ocupados. O prédio está à venda por R$ 6,5 milhões.

Extra Online

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