Engenheiro desenvolve programa para identificar astros, que serve para medir recalque de edificações

Allan de Medeiros Martins é professor de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Na mesma instituição, graduou-se e virou doutor na área, além de mestre em Ciências. Com bolsa da CAPES foi para o Observatório de Genebra, na Suíça, onde participou de um projeto mundial de caça a planetas e criou um algoritmo para auxiliar nas buscas. O programa se mostrou útil em outra frente, ao ser usado para solucionar um problema recorrente na construção civil: a medição de recalques.  

Você desenvolveu um algoritmo para buscar planetas que se mostrou útil para a construção civil. Como foi isso?
O primeiro projeto é o NIRPS (Near Infra Red Planet Searcher), que tem o objetivo de fazer um espectrômetro para analisar exoplanetas. Trabalhei como engenheiro de software e desenvolvi algoritmos para resolver o problema de encontrar planetas fora do Sistema Solar. Deu certo. O instrumento está instalado e o algoritmo, rodando. Ao chegar no Brasil, dois anos e meio depois, surgiu uma demanda de um projeto para a construção de um equipamento para medição de recalque na construção civil. Recalque é quando você tem duas colunas e uma afunda um pouco em relação à outra. E é preciso medir esse afundamento. Depois de analisar, cheguei à conclusão que o algoritmo que resolve esse problema é o mesmo.

De onde surgiu essa demanda que você citou?
O pessoal que me procurou é da empresa FundaSolos. O dono estava com o problema. Ele é o engenheiro que faz a fundação do solo, é o mais interessado em medir esse afundamento. E ele constatou que essa medição é feita por humanos, de uma forma passível de erros e trabalhosa e cara, além de não ser rápida. Mas é uma medida muito importante. Então ele nos procurou no Departamento de Engenharia Elétrica da UFRN para saber se tinha algum jeito de fazer um sistema que fizesse essa medida de forma automática.

Como é a forma tradicional de se medir o recalque?
Com o teodolito, um dispositivo que se coloca em cima de um tripé, nivela bem direitinho, aponta para um lugar de referência e aponta para os pilares em uma marcação bem específica. A partir dessas observações, o teodolito faz a conta e diz quanto recalcou. Só que é um equipamento que você tem que colocar lá no campo, abrir, ele precisa estar bem nivelado, bem calibrado, o ser humano tem que olhar na ocular e apontar bem direitinho para o canto certo. Tem todo um processo, que é lento, caro e passível de erros. As medições hoje são feitas de mês em mês, quando são feitas. Nosso sistema, por outro lado, faz em tempo real.

Como funciona o uso do algoritmo?
São três softwares. Tem o supervisório, que é o que o usuário final vê, em uma tela, com gráficos e os dados dos recalques de cada par de pilares. Tem um de calibração, porque a medição é feita com sensores digitais e temos que calibrar para medir em milímetros. Esse é mais administrativo, não é todo mundo que vê. E tem o principal, que é o software que pega as medidas dos sensores acoplados no equipamento, que nós colocamos nos pilares. As medições que fazemos nesses sensores têm que ser transformadas em recalque. E o algoritmo que transforma essas medições em recalque é o que trouxemos lá do NIRPS. Ele roda no próprio dispositivo e manda as medições via wi-fi para o software supervisório, que mostra em tempo real como está o recalque. E não precisa enviar uma pessoa para o local.

Qual é o impacto do projeto?
Recalque é o deslocamento de uma coluna em relação à outra. Essa medida, ao ser feita de maneira imprecisa ou errada, ou não feita, a consequência pode ser desde uma pequena rachadura ou uma falha estrutural pequena até uma catástrofe, de afundar uma das colunas e o prédio ruir. Conseguir ter a medição em tempo real, a qualquer hora que você quiser monitorar, é algo que abre muitas portas.

É, em sua visão, um caso de ciência a serviço da sociedade?
Quando eu converso sobre esse projeto sempre falo que existe um mito de que há pesquisas sem retorno. Algo distante, como por exemplo, astrofísica, para buscar planetas fora do Sistema Solar. A primeira pergunta que muita gente faz é “para que o Brasil e o mundo estão gastando dinheiro para descobrir planetas? Qual é a utilidade disso?” E esse projeto vem responder essa pergunta de maneira bastante elegante, em minha opinião: usar as tecnologias desenvolvidas nessa busca em outras áreas. A busca não vai só reforçar o conhecimento da humanidade, como terá aplicações práticas dos algoritmos que precisamos desenvolver para resolver esse desafio. 

Portal Gov.Br

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *