Atividade e IPCA resistem, mas corte de juros deve começar em setembro

O tom mais favorável a respeito do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no curto prazo e uma inflação que ainda se mantém resiliente tornam o cenário de juros no país mais incerto. No entanto, a manutenção das metas de inflação em 3% de 2024 em diante favoreceria um processo mais cedo de redução da Selic, na avaliação do Grupo Consultivo Macroeconômico da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

As projeções medianas do grupo para 2023, apresentadas ao Valor, são de crescimento de 0,9% da atividade, inflação de 6,07% e taxa básica de juros de 12,5% no fim do ano, com cortes que se iniciam em setembro. Para 2024, as expectativas são de PIB de 1,2%, IPCA de 4,2% e Selic de 10%. O grupo é composto por 25 economistas de instituições associadas à Anbima e se reúne a cada 45 dias, em média, sempre na sexta-feira que antecede a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central.

O coordenador do grupo e economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa, dá ênfase à dispersão das projeções econômicas. Para 2024, por exemplo, as estimativas de PIB vão de 0,3% a 2,4%, enquanto as de Selic vão de 8,5% a 11,5%. “A mais de um ano e meio da data, é típico ter dispersão grande, mas o que produz isso tem a ver também com a percepção de quão efetivo será o ajuste fiscal, de como o governo vai lidar com as metas de inflação e do exterior.”

A mediana das projeções para a Selic caiu em relação à reunião do grupo em março, quando estava em 12,75% para o fim de 2023. Não há, segundo Honorato, apostas formais de alta de juros, “mas tem desde aqueles que acham que [o juro] vai ficar parado por um bom tempo, entrando em 2024 nesse nível de 13,75%, até aqueles que veem já algum espaço para corte, talvez na reunião de agosto, a depender da definição da meta”.

O grupo não chegou a um consenso sobre se haverá alteração no nível das metas de inflação ou não. “Membros da equipe econômica têm tirado isso da mesa”, nota Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse no Brasil e titular do grupo da Anbima. Mais unânime entre os economista é a perspectiva de mudança do cálculo da meta de ano-calendário (em dezembro de cada ano) para metas contínuas. “Nesse caso, até faz sentido aumentar a banda de tolerância, de 1,5% para 2%, pelo consenso.”

Uma conclusão importante do grupo é a de que, se o Conselho Monetário Nacional (CMN) mudar as metas na reunião de junho, isso produziria incertezas, aponta Honorato. “Alguns acham que não teria muitas implicações; outros, que seria um erro grave. Como não sabemos as consequências, o próprio BC teria de esperar um pouco mais para ver onde vai parar o Focus, o câmbio, o que vai acontecer com a inflação corrente e com as expectativas para, então, começar a cortar juros”, diz. “No caso da manutenção das metas, diria que há consenso de que aumenta a chance de cortar a Selic mais cedo.”

Ao enumerar os motivos que têm tornado a tarefa da autoridade monetária “muito difícil”, o vice-coordenador do grupo e chefe de economia para Brasil do Bank of America (BofA), David Beker, cita a discussão da meta, as dúvidas fiscais e as vagas em aberto para diretorias do Banco Central. “É um ambiente em que se multiplicam as incertezas”, diz. “Na minha opinião, ele [BC] vai soar ‘hawkish’ [favorável ao aperto] até o último minuto e, quando cortar [a Selic], vai cortar ‘hawkish’”, aponta.

É necessária, segundo Beker, uma confluência de fatores que deixem o BC mais confortável para começar a reduzir a Selic. “O que parece trazer desconforto é iniciar essa discussão com as expectativas desancorando”, completa Srour.

Em relação à atividade econômica, a impressão, diz Honorato, é que houve surpresas importantes nos dados do último mês. “Não ouvíamos debates sobre revisão de PIB para cima há muito tempo e eles apareceram”, conta. O grupo macro da Anbima projeta PIB de 0,8% no primeiro trimestre de 2023, em relação aos três meses imediatamente anteriores, zero no segundo e no terceiro trimestres e 0,09% no quarto.

“O primeiro trimestre tem muito do agro, cerca de metade do PIB vem disso. A outra metade corresponde à resiliência do mercado de trabalho. Mesmo sobre os demais trimestres, não é consenso, mas diria que a maioria [do grupo] esperaria resultados negativos não fosse essa resiliência”, afirma Hoonorato. O grupo também projeta taxas de desemprego de 9% neste ano e de 9,5% em 2024. “Considerando o tamanho da alta de juros, não chega a ser um desemprego tão elevado como em outros ciclos”, diz.

Dada a resiliência da economia, a inflação também tem se mostrado mais persistente, aponta Honorato. A projeção atual do grupo da Anbima para o IPCA no fim de 2023, de 6,07%, era de 5,83% na reunião de março. Apesar disso, o economista menciona um viés um pouco menos pessimista também para inflação entre membros do grupo. “Pela primeira vez, começamos a ouvir que, talvez, dado o que aconteceu com o câmbio e com as commodities, talvez possamos parar de revisar para cima a inflação de 2023 e 2024”, afirma.

Honorato, porém, reforça o ambiente incerto em relação ao quadro fiscal e às metas de inflação. A projeção do grupo macro da Anbima para o déficit primário em 2023 melhorou um pouco após a apresentação do arcabouço, de um rombo de 1,01% para um de 0,98% do PIB. Em dezembro do ano passado, essa perspectiva chegava a déficit de 1,39% do PIB. “Mas ainda é elevado”, ressalta Honorato.

O grande debate, para ele, é sobre a viabilidade de o governo conseguir elevar a arrecadação. O economista do Bradesco lembra que a equipe econômica voltou atrás na ideia de acabar com a isenção para importações de pessoa física abaixo de US$ 50. “Se o governo não consegue arrecadar recursos com um tema que, a princípio, parecia pouco polêmico, há temas bem mais difíceis a serem enfrentados.”

“A mensagem que temos visto do [ministro da Fazenda, Fernando] Haddad é que ele está buscando [essas receitas]. Cai uma medida, aparece outra. Agora, precisamos de confirmações”, diz Beker, ao citar a medida provisória do governo assinada no fim de semana para tributar investimentos no exterior. “Vai ser um sinal importante da propensão [do Congresso] a aceitar essas medidas. Mas, se o governo não estivesse tentando entregar medidas de receita, provavelmente, os preços [dos ativos] estariam piores”, afirma Beker.

Na visão de Srour, há um copo “meio cheio” por haver alguma limitação de gastos na proposta de arcabouço fiscal e de não haver uma trajetória explosiva da dívida. “Mas a incerteza é grande. A expectativa é que o Congresso possa apertar mais o arcabouço, mas ainda não é um fato”, afirma a economista, ao dizer, ainda, que há receios sobre políticas parafiscais.

Quanto mais bem-sucedido for o ajuste fiscal, provavelmente, mais apreciado será o câmbio, observa Honorato. A projeção do grupo para o câmbio no fim do ano passou de R$ 5,25 por dólar em março para R$ 5,20 em abril – por ora, ninguém aposta em um número abaixo de R$ 5. Como razões para a apreciação, Honorato cita o fenômeno global de um dólar mais fraco, além da surpresa com a atividade no Brasil. “Em relação ao arcabouço fiscal, a maioria entende que a apresentação diminuiu o ‘risco de cauda’”, afirma.

O estrangeiro, diz Beker, está “ganhando dinheiro” no Brasil neste ano. “Mas a convicção não é alta, então o tamanho da posição agora é muito menor do que no passado”, afirma. “Muito dinheiro pode entrar no Brasil, dependendo do que a gente vai entregar de fundamento”, diz o profissional, ao citar como exemplo a liderança do país na questão ambiental.

Srour chama atenção para os riscos que envolvem mudanças em marcos regulatórios considerados importantes, como o do saneamento. “Isso é um ponto para o investidor real na economia que quer vir aqui fazer negócio e cria desconfiança em relação a todos os setores”, enfatiza a economista.

Valor Econômico

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