Rio quer converter 1º arranha-céu da América Latina em residencial ou hotel

A baía de Guanabara, a ponte Rio-Niterói e o Museu do Amanhã preenchem a paisagem vista a partir do topo do edifício histórico Joseph Gire, mais conhecido como A Noite, no centro do Rio de Janeiro.

A movimentação nos cartões-postais observada do alto do prédio, considerado o primeiro arranha-céu da América Latina, contrasta com o cenário um tanto quanto sombrio do lado de dentro da construção de 102 metros de altura e 22 andares.

Inaugurado em 1929, o A Noite está fechado desde 2012. De lá para cá, poucos trabalhadores se revezam na manutenção do imóvel, que acumula espaços vazios, escuros e com muita poeira.

Esse ambiente com um ar carregado de solidão pode estar com os dias contados. É que a Prefeitura do Rio anunciou a compra do Joseph Gire por R$ 28,9 milhões no final de março.

Edifício A Noite fica em frente à praça Mauá, no centro do Rio de Janeiro, e tem 102 metros de altura – Eduardo Anizelli/ Folhapress

O acordo foi firmado com a União, que havia incorporado o prédio ao seu patrimônio em 1940. O acerto com o município veio após o governo federal tentar vender o imóvel em outras quatro ocasiões, sem sucesso, para a iniciativa privada.

A gestão do prefeito Eduardo Paes (PSD) pretende renegociar o arranha-céu com investidores. O município considera que o prédio tem potencial para virar um residencial ou um hotel na mão do mercado.

Para evitar novas tentativas frustradas de venda, a prefeitura prevê uma operação via fundo de investimento imobiliário. Na prática, segundo o município, esse mecanismo dá maior flexibilidade para as condições do negócio, com a possibilidade de pagamento com entrada mais parcelamento e permutas.

“Esse prédio é simbólico para o país e para a cidade. Faz pouco sentido mantê-lo fechado”, diz Gustavo Guerrante, presidente da CCPar (Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos), órgão municipal responsável por concessões e PPPs (parcerias público-privadas).

“O interessante é que ele tenha uma recuperação, e que essa recuperação aconteça o mais rápido possível”, completa.

De acordo com Guerrante, a ideia de reabrir o arranha-céu faz parte dos planos de revitalização do centro e da zona portuária do Rio, que vem recebendo empreendimentos residenciais.

O presidente da CCPar afirma que a prefeitura já está conversando com possíveis interessados no A Noite, e a expectativa é ter propostas em cima da mesa a partir de maio.

Segundo Guerrante, o menor prazo a ser oferecido para o início da revitalização será um dos diferenciais na definição dos investidores. Guerrante projeta que as obras de reforma levem no mínimo 24 meses (dois anos).

“Seria muito ambicioso falar em menos de dois anos”, diz. “A estrutura [do prédio] não é um problema. Internamente, aí sim, acabamentos, paredes, rede elétrica, tudo isso terá de ser refeito”, completa.

Leonardo Schneider, vice-presidente do Secovi Rio, considera que, se a prefeitura estabelecer condições flexíveis para a venda do A Noite, com prazos atrativos para os pagamentos, o projeto tende a despertar o interesse privado.

Na visão dele, o caminho é buscar a conversão para um empreendimento residencial, já que a pandemia esvaziou espaços comerciais não só no Rio.

“A União tem as regras e a forma de vender os seus ativos, mas muitas vezes não são tão atraentes para o mercado empreendedor”, diz Schneider.

“Aquele prédio [A Noite] não é um retrofit qualquer. Tem uma arquitetura que tem de ser respeitada, pode ter um custo maior”, completa.

SEDE DA RÁDIO NACIONAL

O arranha-céu fica de frente para a praça Mauá, que é percorrida por turistas que visitam pontos próximos, como o Museu do Amanhã.

Com quase cem anos, o A Noite foi projetado pelos arquitetos Elisiário Bahiana e Joseph Gire. Nascido na França, Gire ainda assinou outros projetos icônicos do Rio, como os hotéis Copacabana Palace e Glória.

O A Noite é chamado dessa maneira por ter abrigado inicialmente a sede do jornal carioca com o mesmo nome. O arranha-céu também é um dos marcos dos anos de ouro do rádio brasileiro por ter abrigado a sede da Rádio Nacional.

Pelo local passaram artistas como Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Luiz Gonzaga e Cauby Peixoto. Fãs costumavam aguardar os ídolos na porta do edifício.

Ainda é possível ver o nome da Rádio Nacional, quase apagado, em uma das paredes dos andares antes ocupados pela emissora. Do auditório da rádio, restaram o palco, as lâmpadas apagadas e o revestimento repleto de poeira.

Folha de SP

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