Gerdau: ‘Brasil precisa debater soluções, e não se é esquerda ou direita’

Há mais de duas décadas, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter lidera o debate público sobre o chamado Custo Brasil, o gasto adicional que empresas brasileiras têm para produzir no País, em razão da complexidade de encargos e tributos nacionais. Em entrevista ao Estadão, Gerdau, que é presidente do conselho superior do Movimento Brasil Competitivo, disse que há um “desconhecimento político” sobre o tamanho da crise de competitividade brasileira e que o “marasmo burocrático” tornou-se o principal teto para o crescimento.

Ao falar sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gerdau disse que o chefe do Executivo tem tido pouco diálogo com o empresariado e se declara angustiado por não vislumbrar como o governo vai equilibrar a questão orçamentária e a relação com o Congresso.

“Tínhamos alguns nomes da área econômica que definiram voto a favor do presidente Lula e, com as declarações do presidente, esse pessoal foi se afastando. No Brasil, ninguém tem condições de resolver os problemas sem mobilização de todas as frentes”, afirma. Se Lula fizer um “chamamento”, diz Gerdau, ainda é possível estabelecer a ponte com o setor privado.

O empresário também critica o baixo envolvimento do empresariado brasileiro na política atualmente, o que considera uma falha. “É insuficiente para ajudar na solução dos problemas macropolíticos que nós temos”, afirma.

Por meio de atuação com o Movimento Brasil Competitivo, o sr. tem sido um defensor da redução do chamado Custo Brasil, estimado em R$ 1,7 trilhão ao ano. É um debate travado há bastante tempo. Qual o grande obstáculo para superar o problema?

O MBC é uma entidade que tem 22 anos, mais ou menos, e nasceu com os temas de tecnologia de gestão. Dentro de vários projetos grandes, nos concentramos em quatro frentes essenciais: governança, projetos de tecnologia operacional, custo Brasil e educação. Focamos nos últimos anos de forma muito intensa no tema Custo Brasil, porque ele é decisivo na competitividade do País. Eu diria que tecnicamente esses temas todos estão razoavelmente estruturados, seja por projetos de lei que já existem ou coisas desse tipo, mas o maior problema é sua condução política. E daí a importância de fazer esse debate.

Quando eu tenho uma estrutura tributária, burocrática ou de energia, seja o que for, e eu encareço a cadeia produtiva com essa estrutura, perco minha capacidade competitiva para competir com as importações e perco a minha capacidade competitiva de exportação. O maior fator do não crescimento do setor industrial está essencialmente conjugado no tema do custo Brasil. Alguns exemplos clássicos que existem: se você tomar o sistema tributária, tem entre 6% a 8% de custo de cumulatividade tributária em todos os produtos na cadeia produtiva. Isso atinge o resto dos setores. Essa estrutura é obsoleta e não corrigida. Existe um desconhecimento político da dimensão dessa crise. Nós estamos 20, 30 anos atrasados.

No mundo inteiro, os encargos da folha de pagamento são aqueles vinculados exclusivamente à folha de pagamento. Nos EUA ou Europa, o empregado praticamente leva para casa próximo a 70%, 75% daquilo que ele custa. No Chile, o número é ainda mais favorável, leva 85% para casa aquilo que custa. No Brasil, tenho encargos que fazem com que o operário leve praticamente metade do que custa.

Nós construímos uma burocracia estatal, tributária e de outros encargos de uma forma em que realmente reduzimos nosso custo competitivo. É um verdadeiro pecado que se faz em relação a toda a sociedade.

Para Jorge Gerdau, resolver a questão tributária é fundamental para a competitividade do País
Para Jorge Gerdau, resolver a questão tributária é fundamental para a competitividade do País Foto: Sergio Dutti/Estadão

Há anos falamos de Custo Brasil e reforma tributária, que estão muito ligados. Qual sua expectativa sobre a reforma e, do que o sr. viu até agora, acha que é um projeto que será capaz de reduzir o Custo Brasil?

Nos meios técnicos, esse tema vai maturando. Politicamente, estamos quase a zero ainda. A reforma tributária, em si, como está sendo debatida por muitos governos, há muito tempo, tem uma perspectiva um pouco melhor. No mundo, o IVA tem praticamente um único imposto para todos, mas eventualmente duas categorias, talvez três. Pessoalmente sou favorável, porque aqueles produtos absolutamente necessários, da alimentação, etc, têm um crédito para baixar o custo ao máximo para a população de baixa renda, especialmente.

Um IVA só é um tema bastante difícil de ser conseguido. Como o diálogo político no Brasil é muito complexo, as regiões que estão estruturadas na base da agricultura têm um temor enorme. Mas, se for feito um IVA inteligente, eles não perdem. Ao contrário. Eles hoje pagam os impostos absurdos que estão em cima de uma máquina agrícola ou em cima do adubo, eles poderiam ter o benefício de uma limpeza tributária na exportação.

Só o fato de existir a dimensão do Custo Brasil é um símbolo da subcultura econômica do processo político e do próprio processo executivo.

E a expectativa sobre a reforma?

Olha, é muito difícil, mas estou convicto, com nossa experiência empresarial internacional e local, que essa é uma peça decisiva. E não é em benefício da indústria, é em benefício da sociedade toda.

Não tem de inventar muito, tem de olhar o benchmarking (referência) do mundo. O que existe hoje na parte tributária? Não existe mais no mundo esse emaranhado que temos (no Brasil). Trabalho com 40 mil livros (fiscais) na Gerdau. Para cada imposto, em qualquer filial, tem de fazer o livro fiscal. É livro que não acaba mais. É quase impossível que não tenha erros nesse processo. É um marasmo de papelada e burocracia.

Qual país do mundo desenvolvido não usa o IVA? Todos usam. Só os EUA não, porque não têm imposto na estrutura industrial. Aqui no Brasil, no debate de interesses de áreas, querem um tipo de imposto que não tem em lugar nenhum do mundo, com a ilusão de que vão conseguir pagar menos na sua empresa. O pessoal olha o seu pedacinho. Eu digo: pare de detalhar as coisas e olhe o que o mundo faz. Se eu tenho os 30, 40 principais países do mundo fazendo desse jeito, eu tenho de fazer estupidamente igual.

Há muita resistência do setor de serviços, que teme aumento de impostos. Como o sr. vislumbra a solução desse impasse?

Eles não analisam o montante de imposto do produto que compram. Não podemos sair com imposto de 20%, 25% em cima de serviços, mas a correta alocação desse processo tem de ser analisada. Qualquer produto que o comércio vende carrega uma tamanha carga tributária que, se ajustada, a carga final total provavelmente será menor do que hoje.

Mas em todas as reformas tributárias que existiram foi prometido que não haveria aumento de imposto, e depois sempre houve. Se você me diz, hoje, que vamos fazer sem aumento de imposto, eu digo: nunca aconteceu antes na história do Brasil, será que vai acontecer agora? E quando você vê que o governo tem déficit e não está mexendo no custo, é pacífico que no fim vai sair algum aumento de imposto.

Convencer todo mundo é tremendamente difícil, mas a não correção do Custo Brasil é o maior fator de limitação do crescimento que o País tem. Nós conseguimos construir um marasmo burocrático que está colocando um teto no nosso crescimento. Se não rompermos esse teto, não vamos conseguir mudar essa estrutura. Deveríamos crescer 4% ou 5% ao ano para conseguir atender a demanda na perspectiva social.

Que avaliação o sr. faz do cenário político do País dos últimos anos?

Perdemos um pouco o rumo nos processos nos últimos tempos. Estruturas entre legislativo, executivo e judiciário começaram a fazer uma confusão de intervenção um no outro, e acho que perdemos a perspectiva prioritária de objetivos globais que queremos atingir. Estou acentuando o debate sobre Custo Brasil, mas o mais grave problema, no meu entender, está na educação. Enquanto o mundo está se adaptando a patamares tecnológicos, nós não conseguimos ainda uma alfabetização mínima na educação. O atraso e a não melhoria da educação básica é uma omissão comunitária e da elite brasileira que é inaceitável. E é um tema, no meu entender, puramente de gestão, mas a palavra “gestão” é proibida na educação – não por lei, mas de fato.

Como o sr. avalia a disposição do novo governo e do novo Congresso de enfrentar esses problemas?

O atual governo estabeleceu alguns conceitos sobre o orçamento de gastos, mas não sei se vão conseguir fazer os objetivos de receita. Existe incerteza sobre como vamos estar daqui a seis meses, nesse balanceamento de políticas orçamentárias de gasto em relação à receita. E a formação do Congresso não nos deu condições ainda de avaliar se o governo vai ter capacidade de passar com os projetos. O quadro não nos permite ter uma visão.

Se você me pergunta como vamos estar daqui a seis ou 12 meses nessa relação poder de compra, inflação, balanceamento de custo do governo com as receitas… essa fotografia não está clara. Enquanto a fotografia de receitas e despesas não estiver clara é muito difícil definir o que vai acontecer com o País. O governo ainda não está focando o esforço político máximo nesse ajustamento. Até o ministro (Fernando) Haddad, no seu papel, tem conduzido razoavelmente bem essa visão. Agora, a condução executiva política para que as coisas aconteçam eu não estou sentindo ainda.

Talvez o fato de eu não saber responder essa pergunta é o que mais me preocupa, porque eu deveria saber. Me angustia. Não estou com fotografia de como vai ser a condução política.

Sobre o presidente Lula: o sr. conviveu com ele em governos anteriores. Sente uma diferença do presidente hoje em comparação com outros mandatos?

O diálogo do presidente com o meio empresarial está muito pequeno. Tínhamos alguns nomes da área econômica que definiram voto a favor do presidente Lula e, com as declarações do presidente, esse pessoal foi se afastando. Tivemos uma perda de nomes de primeira qualidade que potencialmente poderiam ajudar nesse processo. No Brasil, ninguém tem condições de resolver os problemas sem mobilização de todas as frentes.

O presidente Lula perdeu ou ainda tem essa capacidade de mobilizar todas as frentes?

A competência pessoal do presidente Lula é muito grande. Se ele inverter um pouco o esforço e fizer um chamamento, acho que ele consegue, mas eu não sei se não tem fatores de natureza ideológica que estão limitando. O risco de não usar potenciais máximos de ajuda é muito ruim. No Brasil, se não chamar gente de tudo o que é canto, você não faz.

O sr. sente que não há espaço para esse debate multifacetado?

Está faltando debate aberto sobre os temas. Esse debate um pouco extremado de esquerda e direita é um troço puramente político. O fanatismo de discurso existe, mas quando se vai para solução pragmática de resolução dos problemas, a conta desse troço (fanatismo) diminui. Tenho de debater as soluções, e não se é esquerda ou direita.

Tenho convicções ideológicas profundas, não é que eu não tenha. Mas, na hora de gerenciar, eu não preciso disso, eu tenho é de tocar a obra para a frente.

Como o sr. vê o envolvimento do empresariado nos debates relevantes para o País?

Tenho uma visão um pouco crítica. O envolvimento do empresário no País é insuficiente para ajudar na solução dos problemas macropolíticos que nós temos nesse tema de governança. É a tendência normal que o Brasil tem. Há motivos, porque a imagem do processo político não é muito boa, então o empresário procura fugir. Eu, pessoalmente, tenho me envolvido um pouco mais nesse processo. Tenho feito isso toda vida e continuo fazendo.

Faltam novas lideranças empresariais como as do passado? Sumiram essas vozes?

É que eu sou mais velho do que a média, sou da velha guarda que ainda continua brigando. Os líderes existem, tem líder bom por aí, a falha está em não se meter no processo político.

O Estado de SP

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