Impasse: Mercado imobiliário critica taxa para construir no Rio enquanto moradores querem preservar alguns bairros

Em discussão na Câmara Municipal do Rio desde setembro de 2021, a votação final da revisão do Plano Diretor da cidade foi adiada mais uma vez, pois ainda não há consenso sobre o texto definitivo. A previsão, agora, é que a matéria só seja debatida em meados de novembro, às vésperas do recesso. Entre os pontos com mais divergências está a regulamentação em toda a cidade de um mecanismo conhecido como outorga onerosa do direito de construir, que prevê a cobrança de uma taxa para permitir construções até o limite máximo do gabarito.

Essa indefinição preocupa o mercado imobiliário. Uma das questões é a taxação imediata para liberar construções até o limite máximo permitido pela legislação, enquanto a construção civil defende que haja um período de carência, como aconteceu em São Paulo e Belo Horizonte.

— Essa taxa vai influir nas aquisições de terrenos. Para não transferir o custo ao futuro comprador, os preços oferecidos pelas áreas vão baixar de um dia para o outro. O ideal é termos uma carência, a máxima possível, para o mercado — diz o presidente do Sindicato da Construção Civil (Sinducon), Claudio Hermolin.

Mercado quer carência

No texto original, encaminhado pelo Executivo em 2021 para a Câmara e aprovado em primeira discussão no fim de junho, não há prazo de carência para outorga onerosa. O equivalente a 20% da taxa já seriam cobrados após a entrada em vigor da lei, chegando a 100% do valor total no quinto ano. Durante a tramitação do projeto, a prefeitura chegou a apresentar duas emendas sobre outorga onerosa, que não foram aprovadas. Uma era com uma cobrança progressiva por dez anos até chegar a 100%. A outra, vista com simpatia pelo mercado, previa cinco anos de carência e mais cinco para implementação gradativa da taxa. Essa alternativa tem o apoio, por exemplo, do presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi- RJ), Marcos Saceanu.

A discussão da matéria está atrasada no Rio. Em São Paulo, a outorga onerosa foi incluída na revisão do Plano Diretor de 2002, com prazo de carência para o início da cobrança.

— Em 60% das áreas de São Paulo, inclusive em trechos do Morumbi e dos Jardins (áreas nobres da capital paulista), não houve aplicação da outorga onerosa nos 12 primeiros anos da regulamentação. Em 20%, houve uma carência de dois anos, sendo que nos anos seguintes durante um tempo só foi cobrada metade do valor. Nos outros 20%, que são regiões onde já havia restrição para construir, o mecanismo não foi adotado — enumerou o vice-presidente do Secovi-SP, Claudio Bernardes.

Em meio a esse cenário, podem haver outras alterações no projeto original. Em reunião na sexta-feira passada com associações de moradores da Zona Sul, o Sindicato dos Engenheiros (Senge RJ), o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) e o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), o prefeito Eduardo Paes prometeu mobilizar a bancada governista para mudar, por meio de emendas de vereadores, artigos do texto aprovado em primeira discussão que poderiam adensar ainda mais alguns bairros da região.

— O prefeito foi favorável a manter as regras dos PEUs (Planos de Estruturação Urbana), como os de Urca, Laranjeiras e Botafogo, em lugar de padronizar a legislação para todos os bairros. Com isso, também não haverá alterações nas regras de Santa Teresa, que são disciplinadas pela APA (Área de Proteção Ambiental) do bairro. Volto à Câmara para ajudar na articulação — disse a secretária de Meio Ambiente, Tainá de Paula (PT), que foi eleita vereadora.

Esses bairros têm hoje regras urbanísticas específicas e bem restritivas para impedir o crescimento desordenado. A possibilidade de mudar o que foi discutido nos últimos dois anos também põe em lados opostos lideranças comunitárias e o mercado.

Presidente da Associação de Moradores da Urca, Celineia Paradela Ferreira se sente aliviada com o aceno do prefeito. A entidade já vinha procurando vereadores, a fim de que fossem apresentadas emendas para manter o PEU do bairro.

— A Urca tem especificidades, como ruas estreitas e apenas uma entrada e uma saída. Não tem condições de explodir. O bairro foi preservado graças ao PEU, o primeiro da cidade, implantado na década de 1970 — disse Celineia.

Polêmica do fim dos PEUs

Já o presidente do Sinduscon-RJ defende que os PEUs sejam extintos, uniformizando a legislação dos bairros, como consta da proposta original. Ele avalia que existe o risco de o projeto sequer ser votado este ano, se forem necessários mais debates em audiências públicas.

— A espinha dorsal do novo Plano Diretor será alterada se isso realmente acontecer. O texto que está em tramitação moderniza a legislação. Na década de 1970, quando os PEUs foram criados, a dinâmica da cidade era outra — disse Hermolin.

Presidente da Associação de Moradores de Botafogo (Amab) e vice-presidente da Federação das Associações de Moradores (FAM-Rio), Regina Chiaradia disse que, na reunião da semana passada, outras mudanças foram negociadas com o prefeito. Procurado, Eduardo Paes não se manifestou.

Segundo Regina, uma das alterações seria a regulamentação, já no Plano Diretor, do Estudo de Impacto de Vizinhança e do Relatório de Impacto de Vizinhança (EIV/RIV), para mitigar situações em que o licenciamento de novas atividades possa impactar o trânsito.

— Hoje, só grandes empreendimentos têm EIV/RIV, a critério da prefeitura. Às vezes, um restaurante pode causar um grande impacto no entorno, mas não é considerado — destacou o presidente da Associação de Moradores de Laranjeiras, Marcus Vinícius de Seixas.

Segundo o presidente do Senge RJ, Marco Antônio Barbosa, Eduardo Paes citou ainda a intenção de investir em habitação popular, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida, para pessoas que ganham até três salários mínimos, em Copacabana, Laranjeiras, Botafogo, Urca, Glória e Santa Teresa. E pediu às associações para identificarem terrenos para os projetos.

O tema IPTU progressivo também foi tratado no encontro de sexta-feira. A ideia é que seja incluído no projeto um dispositivo que já demarque áreas em que o mecanismo possa ser utilizado, para evitar a formação de estoques de terrenos sem uso, à espera de valorização.

Outorga onerosa; entenda:

O que é?

É uma taxa que o poder público cobra para licenciar novos empreendimentos, seguindo orientações expressas na revisão do Plano Diretor. Esse dinheiro costuma ser reservado para investimentos em infraestrutura da cidade. A ideia é regulamentar o mecanismo na cidade toda. Hoje, já existem regras para algumas áreas, como na do programa Reviver Centro.

Atualmente, o que define o valor de mercado para incorporadoras?

Seu potencial construtivo, respeitados o gabarito e outros limites estabelecidos pela legislação urbanística. Esse indicador é conhecido como Coeficiente de Aproveitamento Máximo (CAM). A média no Rio é de 3,5, mas varia de bairro para bairro. Ou seja, se eu tenho um terreno de mil metros quadrados e a legislação da área for um CAM de 3,5, posso construir o equivalente a 3,5 mil metros quadrados.

O que prevê o projeto do novo Plano Diretor?

Ele prevê o pagamento de outorga para poder construir até o CAM de cada área, a partir de 1. Então, só não haveria cobrança caso o projeto fosse licenciado com base no Coeficiente de Aproveitamento Básico (CAB), que o projeto propõe ser de 1. Qualquer área construída acima do CAB (que deve ser 1) será taxada, caso o projeto seja aprovado como está. Ou seja, uma construção de 3,5 mil metros quadrados num terreno de mil metros quadrado terá que pagar uma outorga relativa a 2,5 mil metros de quadrados de área construída.

O que mais muda com o novo projeto?

Outro ponto na versão aprovada em primeira discussão é que não haveria carência para iniciar a cobrança da outorga, mas um desconto. Seriam cobrados já no primeiro ano 20% do valor da taxa. Mas o Sinduscon propõe uma regra de transição, com prazo de carência para essa cobrança. Seria uma isenção do tributo nos primeiros cinco anos, como previa uma emenda apresentada pelo próprio Executivo e que foi rejeitada no plenário da Câmara.

O Globo

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