Para cumprir as metas climáticas, empresas precisam de líderes com visão e pragmatismo

Dezenas de empresas brasileiras se comprometeram nos últimos dois anos em neutralizar as emissões de gases poluentes, em especial o dióxido de carbono. A praxe é chegar ao nível em que as compensações se equivalem as emissões (em toda a operação e cadeia de valor) até 2050, com algumas colocando metas de curto e médio prazo. Com metas agressivas de descarbonização no plano estratégico, as empresas agora enfrentam o desafio de executar em ritmo acelerado durante um período de turbulência sem precedentes. Em relatório publicado com exclusividade pelo Prática ESG, a consultoria Bain & Company traz que chegarão primeiro aquelas empresas que tiverem líderes que combinem visão e pragmatismo. Entenda melhor:

No documento, chamado de From Carbon Ambition to Delivery (Na tradução livre, “Da ambição para a entrega”), a consultoria global faz uma análise das emissões das mais de 700 empresas que, até o fim de 2020, haviam se comprometido com as metas definidas pela iniciativa internacional Science Based Targets (SBTi). Dois terços (69%) conseguiram cumprir as metas absolutas dos escopos 1 e 2 que estabeleceram para 2020 e relataram por meio do Carbon Disclosure Project, iniciativa para divulgação do avanço nas metas climáticas.

O problema é que para frearmos o ritmo do aquecimento do planeta e limitá-lo a 1,5ºC como se espera, é preciso muito mais que isso. Chegar ao net zero até 2050 requer que as companhias reduzam suas emissões pela metade até 2030, ou seja, daqui a menos de nove anos.

Por isso, o que chama a atenção da consultoria no levantamento é que quase um terço das empresas (31%) não conseguiu atingir as metas absolutas de escopos 1 e 2. A maior parte (26%) ficou bem abaixo da meta, ou seja, cumpriram menos de 80%. As 5% restantes também deixaram também a desejar, mas bem menos: alcançaram de 80% a 99% da meta.

“Não surpreende que muitos CEOs se sintam sobrecarregados ao enfrentar o desafio climático. Não faltam manchetes destacando os trilhões de dólares que serão necessários para tornar a economia verde e oportunidades aparentemente infinitas para aumentar a demanda dos clientes por produtos sustentáveis”, destaca o relatório.

O problema é que essas emissões são as mais “controláveis” pela empresa, porque se referem às emissões provenientes diretamente de suas operações e da fonte de energia que usa. O principal desafio está no escopo 3, que se refere ao controle de gases produzidos pela cadeia de valor, como fornecedores, clientes, prestadores de serviço, entre outros.

Turbulência

“Os executivos estão tentando chegar às metas de descarbonização durante um período de turbulência que criou níveis históricos de incerteza e inúmeras dificuldades. Eles estão lutando para fazer a transição em meio a uma atmosfera geopolítica inquietante, interrupções crônicas na cadeia de suprimentos e inflação desenfreada”, pontuam Torsten Lichtenau, Mattias C. Karlsson, Cate Hight e Jenny Davis-Peccoud, autores do documento da Bain.

Ao dizer isso, mostram que desde o início dos anos 2000, o mundo viveu uma grave crise financeira em 2008, a pandemia de covid-19 e sofre as consequências do aquecimento global. No “índice de turbulência, é o pior período desde o século XIX, mais turbulento até do que os momentos de guerra no século passado.

Período turbulento também dificulta cumprimento de metas climáticas — Foto: Bain & Company
Período turbulento também dificulta cumprimento de metas climáticas — Foto: Bain & Company

Visão e pragmatismo

A consultoria aponta o problema, mas traz algumas sugestões de como resolvê-lo, a partir da observação de como as empresas que chegaram lá o fizeram.

“Para traduzir ambição em entrega, os líderes precisarão adotar uma mentalidade que chamamos de ‘pragmatismo visionário’. Organizações que cumprem suas metas de descarbonização trazem para a equipe de executivos sonhadores e realizadores para, em conjunto, acertarem cinco itens essenciais”, explicam Lichtenau, Karlsson, Hight e Davis-Peccoud.

Veja quais são os cinco itens essenciais que a equipe executiva precisa acertar:

  1. Valorize a adaptabilidade estratégica
    Para a consultoria, as empresas não precisam de mais cenários climáticos, mas sim ter clareza sobre os mais relevantes para seu negócio. Elas também precisam observar os sinais que indicarão o que está por vir, especialmente em termos de regulamentação e avanços em tecnologia.

“As melhores empresas adotarão uma abordagem adaptável à estratégia”, dizem. “A avaliação contínua dos sinalizadores orienta as discussões contínuas e trimestrais dentro da equipe executiva e do conselho como parte da estratégia viva completam. As empresas que chegam lá, relatam, entregam duas agendas em paralelo, a dos compromissos firmados e a do que precisa ser desenvolvido para a companhia avançar mais rápido. O que não é efetivo é enxergar a estratégia como um exercício de cinco anos com algumas atualizações anuais.

2. Fale com seu investidor
Há, em muitos casos, uma dissonância entre as ambições verdes de uma empresa e o quanto ela pode gerar de retorno aos investidores e credores. A percepção é que haverá trade-offs e há muitos stakeholders que têm receio deles.

A dica aqui é fortalecer o diálogo com investidores. Isso significa focar na clareza da estratégia, explicando os planos concretos de curto prazo para alcançar compromissos de descarbonização e caminhos para o net zero e precisam enfatizar, com argumentos e provas, que a descarbonização contribui para tornar o negócio mais valioso. “As empresas precisam demonstrar progresso em tudo, desde a descarbonização dos escopos 1 e 2 até a colaboração do cliente em produtos verdes e mudanças significativas de portfólio”, dizem.

3. Descarbonize o retorno do cliente
Em muitos setores, a maior parte das emissões acontece quando os clientes usam os produtos que as empresas vendem (emissões de escopo 3). Além disso, o que o cliente deseja impacta profundamente emissões geradas durante a produção e na cadeia de abastecimento.

“Tanto em situações B2B (empresa para empresa) quanto B2C (empresa para cliente final), os pragmatistas visionários saberão como promover suas credenciais e inovar com os clientes em direção a um mundo de economia circular e baixo carbono”, comentam. A dica é perguntar quais as ambições dos clientes e como a empresa pode apoiá-las.

“A descarbonização tem implicações muito claras sobre como os produtos são projetados e usados, bem como para as emissões em produção e em toda a cadeia de valor. Muitos executivos veem o escopo 3 com apreensão, mas pode fornecer as oportunidades mais poderosas”, acrescentam.

4. Colabore onde for importante e para obter resultados
A transição de carbono é um problema grande demais para ser resolvido por qualquer empresa por conta própria. É necessário envolver o ecossistema de clientes, fornecedores, pares, governos e sociedade civil. “Os executivos devem decidir onde colaborar versus competir, escolhendo as poucas parcerias que podem fazer a diferença. Eles devem fazer essas parcerias em toda a cadeia de valor ou com colegas ou ONGs, para atingir uma massa crítica para a mudança. É importante não perder tempo precioso em iniciativas onde há muita conversa, mas pouca ação”, aconselham.

5. Crie “heróis da rede” na gerência intermediária
Para a Bain, a alta administração tende a estar convencida da necessidade de uma descarbonização agressiva quando a empresa chega ao estágio de se comprometer com metas climáticas. Contudo, as empresas podem não ter uma gestão intermediária comprometida para fazer o trabalho. Muitas vezes, os gerentes de nível médio ficam atolados quando são obrigados a entregar indicadores de desempenho ESG além dos tradicionais – receitas, custos e segurança, por exemplo. E sem ajuda ou explicação.

“Como eles podem se tornar heróis net-zero? A única maneira de criar uma gestão intermediária verde eficaz é ser extremamente claro sobre quais decisões tomar de forma diferente e como resolver trade-offs”, dizem.

Eles citam ainda que gerentes treinados durante anos para se concentrar na otimização de custos para determinadas especificações precisam de orientação clara sobre como a visão de baixo carbono deve ser incorporada nas decisões de compras de suprimentos e escolha de fornecedores, por exemplo. A companhia precisa de ferramentas para avaliar pragmaticamente em que ponto da cadeia de suprimentos se se concentrar para descarbonizar.

“Toda a organização precisa ser qualificada, embora não no mesmo nível ou no mesmo propósito. Isso começa investindo para entender quem é mais impactado e precisa de mais treinamento, e em seguida, oferecendo suporte de acordo com o necessário”, finalizam.

O Globo

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