Novos rumos para a Estação Leopoldina

Em meio a rachaduras, infiltrações, materiais enferrujados, portas e janelas quebradas, e outras marcas de anos de abandono, a antiga Estação Ferroviária Barão de Mauá (popularizada como Leopoldina), na Avenida Francisco Bicalho, ainda guarda relíquias, como a antiga bilheteria, a abóbada de fina estrutura metálica e suntuosas colunas do grande salão da gare. Tombado como patrimônio, o prédio, inaugurado em 1926, é objeto de uma civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) desde 2013.

Mas no curso dessa longa disputa judicial, em que são questionadas responsabilidades pela sua recuperação, dois fatos novos podem mudar os rumos do espaço. A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) promete cumprir o último acordo firmado com o MPF e garantiu à Justiça que entrega em 7 de dezembro o projeto executivo de reforma e restauração do edifício — que ganhará terraço, parcialmente coberto, e jardins — e das quatro plataformas, para que as obras, estimadas em R$ 25 milhões, possam ser licitadas no início de 2024. Em paralelo, o prefeito Eduardo Paes diz que negocia a compra do imóvel com o governo federal.

Uma equipe do GLOBO percorreu a estação, desativada em 2001 e fechada em 2016, quando aconteceram ali alguns eventos. A intenção de Paes é adquirir o terreno inteiro, com 124 mil metros quadrados, e não somente o terminal. Ele conversou sobre assunto com a ministra Esther Dweck, da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e com o ex-deputado André Ceciliano (PT), secretário Especial de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República.

A Noite: inspiração

O prefeito quer fazer uma operação semelhante a que realizou com o Edifício A Noite, na Praça Mauá. O primeiro arranha-céu do Brasil foi adquirido pela prefeitura e revendido para a AZO Inc, que vai transformá-lo em um residencial com mais de 400 apartamentos.

— Nossa ideia é conceder para a iniciativa privada o terreno inteiro, porque tem potencial imobiliário. E a gente daria algum uso para a estação propriamente dita; uso cultural, público. Estamos negociando ainda. O fato é que aquilo nas mãos do governo federal está há anos parado, e sabemos que vai continuar assim se permanecer com a União — diz ele.

A fim de tornar atrativo o espaço para o setor imobiliário, a prefeitura apresentou no mês passado à Câmara de Vereadores projeto de lei complementar que amplia para a Leopoldina a possibilidade de usar Certificados de Potencial Adicional Construtivo (Cepacs). A compra desses títulos públicos permite a construção de área adicional, modificação de uso e parâmetros de empreendimentos.

Parte do terreno federal, que é usada pela Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística (Central) deveria ter um cronograma de desocupação, conforme estabelecido no acordo celebrado em maio de 2022. No lugar, há um galpão, onde funcionou uma fábrica de aduelas, e centenas de peças que seriam usadas nas obras da Linha 4 (Ipanema-Barra) se deterioram.

— Não apresentaram o cronograma. Judicialmente, falaram que não têm dinheiro — lamenta o procurador da República Sergio Gardenghi Suiama, responsável pela ação civil pública, que corre na 20ª Vara Federal do Rio.

Ainda no complexo da estação, o documento de 2022 cita a obrigação de remoção, pela Central, de vagões e composições antigas, que apodrecem no pátio da Leopoldina, inclusive carros refeitório e dormitório do chamado Trem de Prata, que realizou sua última viagem, entre Rio e São Paulo, em novembro de 1998. De acordo com o superintendente de Patrimônio da Central, Ramon Torres, porém, esses bens, entre tombados e patrimoniados, estão sob a gestão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), fazendo parte do Acervo do Museu do Trem, no Engenho de Dentro, fechado há anos.

Três anos de obras

Coordenador técnico da SPU, Carlos Rodrigues explica que serão necessários pelo menos três anos de obras para recuperar o prédio, seu anexo e as plataformas. Ele afirma que a concepção arquitetônica está pronta e que, no momento, estão sendo detalhados projetos complementares do interior do edifício, como os de redes elétricas e hidráulicas.

— Tudo foi aprovado pelo Iphan — informa ele, acrescentando que o que se encontra atualmente no terraço precisará sair: — Nesse lugar existem construções espúrias que não podem permanecer.

Imagem de como ficará a Estação Leopoldina depois de reformada: terraço terá jardim — Foto: Divulgação / SPU
Imagem de como ficará a Estação Leopoldina depois de reformada: terraço terá jardim — Foto: Divulgação / SPU

O procurador Suiama alerta, contudo, que os investimentos para a recuperação precisam estar no orçamento da União do próximo ano:

— Os recursos necessários para serem usados em 2024 devem constar da lei orçamentária, a fim de que a recuperação possa ter inicio.

Requerida pelo MPF, uma audiência de conciliação foi marcada para o próximo dia 25. Já em 10 de agosto, Suiama encaminhou ofício ao secretário do Patrimônio da União, Lúcio Andrade, solicitando informações atualizadas acerca da conclusão do projeto executivo, bem como sobre a verba orçamentária para a realização das obras.

Em setembro de 2021, o juiz Paulo André Espirito Santo, da 20ª Vara Federal do Rio, escreveu numa sentença que o estado do terminal era “deplorável” e “digno de dar vergonha”. Na época, chegou a condenar a SuperVia e a União a reparar os danos. O efeito prático da decisão foi a assinatura de acordos posteriores, o mais recente em maio de 2022. O juiz determinou também que o Corpo de Bombeiros e a Secretaria de Defesa Civil do estado fossem citados “pelo risco iminente” de incêndio. A sentença não estipula prazo para início e conclusão de obras.

“Sahida” e charutaria

Dentro do edifício, de quatro andares incluindo o térreo, há tetos sem revestimento, bem como fiação e tubulações arrancadas. Além da deterioração decorrente da falta de manutenção, o imóvel vem sendo depredado por conta de constantes tentativas de invasão.

No térreo (primeiro pavimento), o busto do Barão de Mauá, pioneiro da ferrovia no Brasil, continua imponente. Sinais do passado estão também em nomes que designavam espaços, como a “sahida”, com a grafia antiga, e a charutaria . Até o terceiro andar, o que restou do acervo móvel teria sido transferido para um depósito. No quarto andar, no entanto, onde funcionou o órgão central do Serviço Social das Estradas de Ferro, espalhados por salas há computadores, papeis, armários de arquivo, divisórias, carimbos e até flores de pano.

Do lado externo, nem a tela de proteção resistiu ao abandono, e a marquise precisou ser escorada. A fachada lotada de pichações completa o cenário.

No espaço hoje ocupado pelo terminal, já funcionou até um hipódromo, o Guarani, nos anos 70 e 80 do século XIX, recorda André Leonardo Chevitarese, professor de história e arqueologia da UFRJ.

Projetada pelo escocês Robert Prentice, a Estação Barão de Mauá é tombada pelo Iphan e pelo Instituto Estadual do Patrimônio Artístico e Cultural (Inepac). O arquiteto se inspirou nas estações inglesas eduardianas do início do século XX.

— A estação não foi completada. A ala esquerda, prevista no projeto original, nunca foi executada — recorda André Leonardo Chevitarese, professor de história e arqueologia da UFRJ.

“Parte da minha história”

Quando da criação da estação, a Estrada de Ferro Leopoldina era administrada por um grupo inglês, sendo posteriormente nacionalizado e incorporada pela Rede Ferroviária Federal. Em 1984, os trens urbanos de passageiros foram transferidos para a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). O serviço foi estadualizado na década de 1990. E, hoje, a Central faz a gestão do sistema, cabendo à iniciativa privada (SuperVia) a operação.

Ex-maquinista e agora assistente de segurança da SuperVia, Antônio Carlos Cunha, de 58 anos, lembra bem do dia a dia da Estação Barão de Mauá no início de sua profissão. Após passar em um concurso público, em 1985, foi chamado dois anos depois:

— Esse edifício faz parte da minha história. A entrevista, depois do concurso no Maracanã, que era eliminatória, fiz na sala 205. Também realizei as provas escritas do curso de maquinista nesse prédio, todas eliminatórias. Levei mais de um ano até virar auxiliar.

O Iphan afirmou que os trens tombados que estão na Leopoldina pertencem a União, mas estão sob a gestão do instituto. A Secretaria estadual de Transportes não deu previsão de a fábrica de aduelas e as peças serem retiradas do terreno federal. Disse que a Central removeu sucatas e materiais inservíveis da estação e que está “em contato com institutos e associações de preservação ferroviária para discutir a destinação adequada do material remanescente”.

Jornal Extra

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