A paisagem da cidade atrás de muitos fios

A paisagem do Rio tem nos postes e nas fiações aéreas um inimigo. O excesso de cabos espalhados pelas ruas, sem qualquer padronização, deixa a cidade com o aspecto de abandonada, além do risco maior de interrupções, principalmente em dias de temporal. Em 2011, o Plano Diretor estabeleceu um prazo de cinco anos para que todas as redes fossem subterrâneas, o que é contestado pelas empresas de energia elétrica e telecomunicações. 

O caso já chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Há três meses, a prefeitura notificou as concessionárias responsáveis pela fiação aérea para que elas apresentem um plano de aterramento. A negociação está em curso. A Light, no entanto, foi à Justiça contra essa obrigação por causa do alto valor. A concessionária alega que o custo de um sistema subterrâneo “pode superar em 8,6 vezes o de uma rede aérea”. 

Essa despesa, informou, teria que ser repassada aos clientes, o que representaria um aumento de 80% na conta de luz. A Light afirma ter 5,7 mil quilômetros de cabos subterrâneos no Rio, o que, segundo reportagem do GLOBO do ano passado, representa 15% de sua rede. As empresas de telecomunicações não disponibilizam essa informação. Mas basta um passeio pela cidade para ver que muito pouco foi feito até agora. 

Em Botafogo, bairro com vista para cartões-postais como o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor, os emaranhados estão em muitos postes. Ao percorrer cerca de dois quilômetros em seis trechos de ruas da região, o engenheiro elétrico Francisco Mourão, membro da organização americana Instituto de Engenheiros Eletrotécnicos e Eletrônicos, apontou 11 postes que violam as resoluções da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

NORMAS DESCUMPRIDAS

O mais correto seria encontrar ao longo dos postes três níveis de fios. O mais alto é a rede de alta ou média tensão da Light. No meio, abaixo do transformador, fica afiação de baixa tensão da mesma empresa. Por último e mais abaixo, está a rede de telecomunicação. 

Não é raro encontrar, no entanto, tudo embaralhado. Na altura do número 100 da Rua Assunção, em Botafogo, há um exemplo de tudo que não deve ser feito. Além de descumprir normas técnicas da Resolução 797/2017 da Aneel, o poste ainda estava inclinado. O documento diz que a distância entre as redes de baixa tensão e de telecomunicação precisa ser de, no mínimo, 60 centímetros. 

Outra regra é que os fios de telefonia, TV acabo e internet devem ocupar um espaço de até 50 centímetros. Também são proibidas as “rodilhas”, cabos enrolados que ficam pendurados à espera de instalações futuras. E cada fio precisa te ruma placa de identificação. Há ainda altura estabelecida entre o início da rede e a calçada: precisa ser de 4,5 metros, mas pode ter apenas três em ruas de uso exclusivo para pedestres e cinco quando cruza uma via. — Infelizmente, raramente vemos todas essas normas sendo cumpridas — afirma Mourão. 

— É tudo feito de qualquer jeito. Não há fiscalização ou manutenção preventiva. 

Outro aspecto destacado pelo engenheiro é que há muitos cabos e equipamentos inutilizados nos postes. O maior passivo, segundo ele, é relativo à rede de telefonia fixa, que hoje não tem tanta demanda. Na semana passada, foi aprovado, em primeira discussão na Assembleia Legislativa (Alerj), um projeto de lei dos deputados Delegado Carlos Augusto (PSD) e Carlos Minc (PSB) que obriga empresas a retirarem fios desativados. 

Segundo Mourão, cabe ao “dono” do poste verificar se as empresas estão cumprindo as normas. A maior parte dos postes nas ruas da cidade é da Light. Apesar do alto custo para aterrar afiação, o engenheiro afirma que, alongo prazo, o retorno é muito positivo: 

— A rede subterrânea tem menos necessidade de manutenção do que a fiação aérea, que está mais sujeita a intempéries. Na rede aérea, a tendência é acumular muitos cabos, o que pode trazer interferência eletromagnética se não for respeitada a distância entre fios de tensões diferentes, por exemplo. 

Presidente da Associação de Moradores de Botafogo, Regina Chiaradia diz que os problemas relacionados a postes e fiação aérea são reclamações recorrentes no bairro:

— É sempre uma novela. Os fios arrebentam toda hora, e ninguém assume a responsabilidade. Falta informação, é uma bagunça. Fora a poluição visual. O sonho de consumo de todo carioca é que a prefeitura consiga exigir o aterramento das redes. 

Contrária ao trecho do Plano Diretor que prevê redes subterrâneas em toda a cidade, a Light entrou com uma ação de inconstitucionalidade no STF alegando que cabe à União legislar sobre dispositivos de energia elétrica. Em 2013, a ministra Cármen Lúcia concedeu uma liminar favorável à empresa. No entanto, no ano passado, o ministro Ricardo Lewandowski, relator do processo, deu um voto em favor da prefeitura do Rio. 

Ele entendeu que o caso é de responsabilidade dos municípios, pois se trata de uma legislação urbanística. O mérito da ação ainda não tem data para ser julgado. Baseada na decisão do Supremo, em junho, a Procuradoria-Geral do Município notificou extrajudicialmente a Light, a Claro e a Telemar Norte Leste (Oi) para que apresentassem projetos de aterramento da fiação. 

O órgão da prefeitura entrou também com uma ação civil pública contra a Light para acabar com a rede aérea em cinco anos. O caso ainda tramita na Justiça. Procurada, a empresa de energia diz que “não se opõe” ao aterramento, mas ressaltou o alto custo do projeto.

EMPRESAS TÊM PROPOSTAS

Por meio de nota, o Sindicato Nacional das Empresas de Telecomunicação (Sindi-Telebrasil) afirmou que as companhias têm propostas sobre o assunto, com base em ações internacionais, mas que “o enterramento não é prática generalizada, sendo adotado de forma pontual e em situações que justifiquem a necessidade”. Para o advogado Vinícius Custódio, presidente da Comissão de Urbanismo da OAB-Barra, uma saída para a polêmica seria substituir a rede aos poucos, exigindo que cada novo empreendimento na cidade implante o cabeamento subterrâneo: 

— Se o custo for repassado ao cliente, acaba sendo um tiro no pé. O ideal seria que essas obras entrassem no bojo de outros projetos. Por exemplo, se vai fazer um novo loteamento de casas, já impõe a obrigação ao empreendedor de fazer a infraestrutura subterrânea.

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