Prefeitos e governadores pressionam deputados por fatia maior do pacote de socorro a estados e municípios

As mudanças nas regras de divisão do pacote de socorro aos estados e municípios, aprovado na noite de sábado no Senado, gerou insatisfação de prefeitos e governadores, que agora lutam para reverter as perdas e regras da distribuição na Câmara. Entidades que representam prefeitos e alguns estados, como o Rio de Janeiro, iniciaram nos bastidores as negociações para mudança do projeto na Câmara. A previsão é que o texto seja apreciado pelos deputados nesta segunda, em sessão remota.

Anteriormente, dos R$ 60 bilhões destinados para repor a perda de arrecadação de impostos e financiar ações na área da saúde para o combate ao novo coronavírus, R$ 28 bilhões seriam destinados aos cofres das cidades, enquanto os governos estaduais ficariam com R$ 32 bilhões. A divisão inclui tanto os recursos que podem ser empregados de acordo com a escolha do governo local, quanto os que precisam ser aplicados em saúde.

O texto aprovado, no entanto, tirou R$ 5 bilhões dos cofres municipais, passando para as mãos dos governadores. Com isso, prefeitos ficariam com apenas R$ 23 bilhões da distribuição, enquanto governadores receberiam o restante, estimado em R$ 37 bilhões.

A divisão do recurso Foto: Arte
A divisão do recurso Foto: Arte

Prefeitos alegam que precisam ser recompensados pela perda na distribuição dos recursos, mas pedem celeridade na aprovação da medida, diante da frustração na arrecadação de impostos e da necessidade em investimentos em ações de saúde e assistência social. Governadores e secretários de Fazenda, por sua vez, ressaltam que o pacote não recompõe os prejuízos gerados pela pandemia.

As possibilidades de alterações, no entanto, podem fazer com que o texto retorne ao Senado, atrasando ainda mais a sanção do socorro pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Isso faria com que os recursos demorassem ainda mais para chegar aos entes subnacionais.

Em nota técnica publicada neste domingo, a Frente Nacional dos Prefeitos afirmou que o rateio do auxílio total aprovado pelo Senado ficou desproporcional, favorecendo mais os governos estaduais em detrimento dos municípios. Segundo a FNP, a divisão entre estados e municípios não foi na proporção de 60% para estados e 40% para municípios, conforme aventado inicialmente.

Se considerado todo o pacote aprovado, no total de R$ 120 bilhões, que inclui os benefícios com a suspensão do pagamento das dívidas dos entes subnacionais com a União, o benefício dos governos estaduais responde por 75% do total, cerca de R$ 89,2 bilhões.

“Será necessária uma nova rodada de negociações para socorrer os municípios, especialmente mais populosos, que estão com suas receitas derretendo”, diz a Frente, que representa os municípios com população acima de 80 mil habitantes, em documento publicado neste domingo.

Diante da urgência e da necessidade de mudança no texto, a Confederação Nacional dos Municípios articula nos bastidores uma forma de compensar os municípios, sem que haja prejuízo na aprovação da medida ainda esta semana.

Uma possibilidade é o encaminhamento de pontos pacíficos no texto para sanção presidencial, como a suspensão do pagamento da dívida, deixando a discussão sobre a divisão do socorro de R$ 60 bilhões em aberto.

– O ideal é trabalhar em cima do PL (projeto de lei). Aquilo que se tem acordo e entendimento, podemos encaminhar para sanção e aquilo que precisa ser alterado e modificado, encaminhamos de volta para o Senado na tentativa de buscar a aprovação – explica Glademir Aroldi, presidente da CNM.

Aroldi não descarta que outras formas de recomposição do valor perdido no Senado sejam discutidos nas próximas horas, como a possibilidade e promessa de um novo pacote no futuro. Ele ressalta que os recursos farão falta aos já combalidos cofres municipais.

– Não dá pra ficar esperando muito tempo, tem que votar da melhor maneira possível, construir algo que possa compensar esse prejuízo que os municípios tiveram. R$ 5 bilhões fazem muito mais falta para os municípios do que para os estados. No orçamento dos estado brasileiros é insignificante, nos municípios é muita coisa – ressalta.

Estados cobram celeridade

Na avaliação de representantes dos estados, o texto aprovado permitirá a reposição de apenas parte das receitas frustradas.

Para Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho, secretário de Fazenda do estado do Rio, o estado fluminense teria direito efetivo a cerca de R$ 4,8 bilhões do pacote, uma vez que já conta com o pagamento da dívida com a União suspenso em virtude do Regime de Recuperação Fiscal. Já as perdas estimadas somente com os efeitos da Covid-19 na economia giram em torno de R$ 15 bilhões.

– Isso não é uma recomposição de perdas, está muito longe disso. Se fosse, seria uma divisão dos recursos diferentemente da aprovada. Alguns estados terão auxílio maior que a perda, enquanto outros, como o Rio, terão ajuda muito inferior a perda de receita – ressaltou.

Carvalho afirma que o estado articula com a bancada de deputados do Rio para que as regras de divisão dos recursos levem em consideração a proporção de perdas de arrecadação do entes subnacionais, a mudança no prazo de ajuda, de quatro para seis meses, e o aumento do valor do pacote.

– É uma escolha de Sofia, aprovar um projeto insuficiente dada a urgência ou buscarmos os aperfeiçoamentos na Câmara e termos um prazo maior para aprovação. Entre os dois, eu talvez eu defenda o aperfeiçoamento do projeto, ainda que ele demore mais. Os valores são infinitamente inferiores à necessidade – explicou.

Uma vez sancionada pelo presidente da República, a nova lei determinará o repasse dos recursos a partir do próximo dia 15 de maio. Este é o capítulo mais esperado para os estados, na avaliação do governador do Piauí, Wellington Dias (PT).

– Teremos a vantagem da previsibilidade – disse Dias.

Dias afirmou que pretende trabalhar pela implementação da regra da suspensão das parcelas e encargos da dívida ainda na Câmara. Acrescentou que, no Piauí, com a melhora da proposta, será possível chegar a 80% do que seria a receita, estimando uma queda de 35% a 40% no período. 

O secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Marco Aurélio Cardoso, também considera importantes as mudanças feitas no Senado, para garantir maior peso às perdas de ICMS dos estados.

Ele afirmou que, no estado, a queda de arrecadação está projetada em R$ 900 milhões, sendo que há havia, antes disso, uma situação fiscal bastante delicada, ainda que com um vigoroso ajuste de receitas e despesas antes desta crise. 

– Embora acreditemos que as regiões Sul e Sudeste estão recebendo um suporte inferior ao necessário pelo tamanho da crise, o mais importante agora é garantir que esses recursos cheguem de forma rápida – disse Cardoso.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), não comentou o texto aprovado no sábado pelo Senado. No entanto, fez questão de reivindicar algum tipo de compensação para a perda de receita do estado com o ICMS em uma rede social. 

Ele afirmou que Minas Gerais deve deixar de arrecadar, em ICMS, este ano, em torno de R$ 7,5 bilhões. Para manter o funcionamento do estado, será necessário algum tipo de compensação das perdas pela União. 

“Não queremos recurso de graça. Defendo contrapartida. Mas necessitamos de um valor que se aproxime do que perderemos”, disse Zema em uma rede social.

Década perdida: Pandemia faz Brasil ter pior desempenho em 120 anos, com ameaça ao futuro dos jovens

Décadas “perdidas” desperdiçam gerações, e os jovens brasileiros se veem espremidos entre a mais perdida delas e um futuro incógnito. É na década que termina este ano que o país estagnou e sofreu o maior recuo de renda de sua História. A retomada lenta após recessão profunda foi atropelada pela pandemia, selando um desastre econômico maior que o dos anos 1980 e que deixou um quarto dos jovens sem trabalho.

Pela frente, especialistas preveem uma recuperação incerta sob a sombra do coronavírus, desemprego e desigualdade mais elevados re freio à mobilidade social. Um coquetel desalentador para a juventude mais preparada que o país já teve, sobretudo a mais pobre, e que atravessará a crise no auge do seu potencial.

O PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro na última década praticamente não cresceu. Deve fechar 2020 com taxa média de 0,1% a 0,3%, dependendo do buraco econômico com a Covid-19 este ano. Será o menor ritmo em 120 anos, segundo levantamento do pesquisador do Ibre/FGV Marcel Balassiano. Na década de 1990, a pior até agora, a expansão média fora de 1,6%. A renda per capita, que é o PIB dividido pela população, deve, na melhor das hipóteses, repetir o recuo anual médio de 0,6% dos anos 1980.

—É a mais perdida das décadas. Parte do desastre foi culpa nossa, outra, da pandemia. O Brasil ficará mais pobre depois de já ter empobrecido muito. Sairemos com mais cicatrizes que os países desenvolvidos — prevê Ricardo Denadai, economista-chefe da Ace Capital.

Educação como defesa

A geração mais jovem viverá num mundo mais precário e inseguro, sobretudo os mais pobres, disse Ricardo Henriques, superintendente do Instituto Unibanco e um dos criadores do Bolsa Família:

—Passada a pandemia, essa juventude viverá um cenário grave de defasagem educacional, de inserção futura no mercado de trabalho. Parte grande desses jovens estará com expectativa máxima de trabalho informal. Uma geração de jovens que entraram com defasagem histórica na pandemia. É uma enorme perversidade.

Os mais desfavorecidos ainda não se recuperaram da recessão. Enquanto a renda da população caiu 2% de 2014 a 2018, os 5% mais pobres perderam 39%, lembrou Marcelo Neri, diretor da FGV Social. Por isso, a desigualdade cresceu por 18 trimestres seguidos, sequência inédita.

Os mais jovens foram especialmente afetados. A taxa de desemprego até 24 anos subiu de 16,4%, em 2012, para 28,7% em 2017, auge da recessão. No fim de 2018, estava em 23,8%, contra média de 11%.

Neri prevê mais desigualdade, queda de renda e freio à ascensão social dos jovens:

— A crise chega quando o país já estava com o organismo social debilitado. Poderemos voltar aos índices de pobreza dos anos 1990.

Em 1992, 40% da população estavam na pobreza. Essa taxa caiu para 12,1% em 2018.

Uma das defesas da nova geração é a educação. O especialista em mobilidade social Carlos Ribeiro, pesquisador do Iesp-Uerj, diz que, mesmo com a crise, os jovens de hoje dificilmente ficarão numa situação pior que a dos seus pais.

— A educação aumentou, temos mais gente na universidade, o que ajuda na mobilidade intergeracional. Sabemos da importância da educação das mães para o futuro dos filhos. Elas são mais escolarizadas, isso não vai mudar.

O risco que correm, alertou Ribeiro, é o de regressão intrageracional intensa, com famílias inteiras empobrecendo.

. Foto: Editoria de Arte
. Foto: Editoria de Arte

Perda rápida de renda

Isabela Silva, de 24 anos, é a primeira da família a cursar faculdade. Graças ao sistema de cotas, conseguiu vaga na Uerj, onde cursa Pedagogia. Isso lhe dá otimismo. Mas a situação econômica da família se deteriorou. Cuidadora de idosos, sua mãe, que já vinha perdendo clientes antes da pandemia e não tinha carteira assinada, não consegue mais trabalhar.

A renda familiar, que chegou a R$ 4.500, resume-se a R$ 900 que a própria Isabela consegue cuidando do afilhado. Apesar de terem direito ao auxílio do governo, não conseguiram acessar o dinheiro. No passado, mãe e filha deram entrada num imóvel, já abandonado. Hoje, a renda só dá para aluguel e comida.

—A situação deixa a gente pessimista. Mas, para quem vem de classe social mais baixa, o estudo é uma oportunidade de mudar de vida. Tendo a faculdade, a tendência é melhorar — contou a jovem de Paciência, na Zona Oeste.

A professora da Universidade Federal de Pernambuco, Tatiane Menezes, alerta para o aumento da desigualdade regional, que vinha recuando.

—Os grandes bolsões de pobreza estão no Nordeste. É onde está a maior parte da população sem boa instrução.

Para Neri, a saída é apostar no bônus educacional acumulado no passado recente. Foi ele que permitiu crescimento inclusivo antes da recessão:

— Com restrições fiscais, será preciso alocação muito clara de recursos. O problema é que a política educacional atual não parece ter essa clareza.

Ricardo Henriques defende a reinauguração do sistema educacional e uma política nacional de conectividade focada nas escolas, usando o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). O acesso à internet das famílias mais ricas chega a 95%. Entre os mais pobres, só metade dos lares tem acesso.

— O desafio é oferecer qualidade em massa, com redução acentuada da desigualdade e salto no desempenho.

O investimento em educação é um dos caminhos para aumentar a produtividade.

— O aumento da produtividade passa pelas reformas, mas o recrudescimento das tensões políticas deixa isso em xeque — disse Balassiano.

O que dizem os jovens

Lucas Portugal, 20 anos

Lucas Portugal, 20 anos, desempregado, sonha em fazer faculdade Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo
Lucas Portugal, 20 anos, desempregado, sonha em fazer faculdade Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo

Há dois anos, um drama doméstico atrapalhou os planos de Lucas Portugal de se tornar o primeiro da família a cursar faculdade. O jovem, então com 18 anos, teve que sair de casa após se desentender com os pais por ser homossexual. Precisando gerar renda para pagar seu próprio aluguel, teve que abandonar o pré-vestibular comunitário e buscar um emprego.

“Onde fui criado, a gente sempre foi ensinado a terminar a escola e procurar emprego. Minha geração está quebrando isso, estamos procurando outros espaços”LUCAS PORTUGAL, 20 ANOSDesempregado, sonha em fazer faculdade

Conseguiu uma vaga de vendedor nas Lojas Americanas, seu primeiro emprego com carteira assinada. Recebia pouco mais de um salário mínimo com as horas extras, suficiente para pagar a vaga em uma república. Após um ano, porém, a unidade fechou, e ele se viu desempregado – justamente quando não havia vagas abertas para quase ninguém.

—Tentei de toda forma conseguir uma vaga de jovem aprendiz para retomar os estudos, mas não encontrei — lamenta Portugal, que sempre estudou em escola pública.

Desde então, Portugal mora com a avó, em Padre Miguel, Zona Oeste, e faz bicos como fotógrafo e maquiador, mas a renda é incerta. Retomou o pré-vestibular comunitário no início do ano, mas a rotina de aulas mudou com a pandemia.

— Estou tentando acompanhar as aulas pela internet, mas é um desafio muito grande para a gente e para os professores. Mas é o jeito, não tenho como pagar uma faculdade — conta ele, que quer se tornar jornalista. — Quero conseguir o feito de ser o primeiro da família a fazer faculdade. Onde fui criado, a gente sempre foi ensinado a terminar a escola e procurar emprego. Minha geração está quebrando isso, estamos procurando outros espaços.

Enquanto isso, sua ansiedade aumenta:

— O desemprego vai aumentar e ficará mais difícil fazer planos. Queria conseguir um emprego com carteira no futuro, mas acho que vai ser cada vez mais raro.

Bárbara Pinheiro, de 22 anos

Bárbara Pinheiro, 22 anos, universitária Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo
Bárbara Pinheiro, 22 anos, universitária Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo

Mesmo recebendo um salário de apenas R$ 420 em um estágio na prefeitura, Bárbara Pinheiro, de 22 anos, é uma das que sustentam a casa em Irajá, Zona Norte. Ela mora com a avó, pensionista, e com a mãe, que não pode trabalhar por causa de uma fibromialgia.

Só consegue cursar a faculdade de Pedagogia na Estácio graças a uma bolsa de 100% obtida no Prouni. O sonho de fazer uma faculdade pública não se concretizou mesmo tendo sido aprovada para Ciências Sociais na UFF, em Niterói. Era longe demais para ela, que precisava trabalhar como jovem aprendiz em Botafogo, Zona Sul do Rio.

“Prefiro me manter otimista para não surtar. Na realidade, não sei como vai ser. É uma incógnita”BÁRBARA PINHEIRO, DE 22 ANOS, estudante de pedagogia

O objetivo agora é ser professora. A experiência como mediadora de alunos autistas na rede municipal é recompensadora, ela adora. Mas a estrutura é precária, e o salário é bissexto, nem sempre cai na conta. Os concursos públicos, ela sabe, parecem cada vez mais escassos, e a capacidade dos governos daqui para frente ficará ainda mais comprometida por causa dos efeitos do coronavírus.

— Daqui a dez anos, quero muito estar casada, com filhos, realizada com meu emprego. Quero ganhar o suficiente para ajudar minha família. Mas a verdade é que eu prefiro me manter otimista para não surtar. Na realidade, não sei como vai ser. É uma incógnita — lamenta.

Julianna Wanderley Paes, 25 anos

Julianna Paes, 25 anos, estuda Relações Públicas na Uerj Foto: Arquivo pessoal
Julianna Paes, 25 anos, estuda Relações Públicas na Uerj Foto: Arquivo pessoal

Prestes a se formar em Relações Públicas na Uerj, Julianna Paes, de 25 anos, viu a renda da família diminuir conforme a piora do mercado de trabalho afetava o emprego dos pais, ambos administradores.

O primeiro a perder emprego, ainda em 2013, foi o pai. Sem conseguir se reposicionar, tornou-se autônomo. No auge da crise, sua mãe foi demitida após 15 anos empregada e ficou um ano à procura de uma nova posição. Quando achou, o salário era menor.

“É complicado começar em um ambiente caótico. Não sei se haverá muitas oportunidades”JULIANNA WANDERLEY PAES, 25 ANOS, estudante de Relações Públicas

É esse tipo de instabilidade que Julianna teme enfrentar na carreira que começará em breve, ainda mais tendo que iniciá-la justamente quando a economia estará lidando com as consequências de uma pandemia. Com a doença, aliás, a estudante sequer tem certeza de que conseguirá se formar este ano

— É complicado começar em um ambiente caótico. Não sei se haverá muitas oportunidades. Terei que ter muita paciência — admite Julianna, moradora da Tijuca, Zona Norte.

Sílvia Campos, 19 anos

Sílvia Campos, 19 anos, estudante de Direito, teme a falta de oportunidades no país
Foto: Arquivo pessoal / Arquivo pessoal
Sílvia Campos, 19 anos, estudante de Direito, teme a falta de oportunidades no país Foto: Arquivo pessoal / Arquivo pessoal

Filha de um juiz e de uma funcionária pública aposentada, Sílvia Campos sabia desde cedo que, para se destacar como advogada, a universidade seria etapa crucial. Assim que se formou na escola, mudou-se sozinha de Cuiabá para São Paulo para cursar pré-vestibular e tentar uma vaga na Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio, uma das faculdades mais exclusivas do país.

“Reconheço que venho de uma família extremamente privilegiada, mas também tenho consciência de que o Brasil passa por grandes dificuldades. O desemprego enorme assusta” SÍLVIA CAMPOS, 19 ANOS, estudante de Direito

Foi aprovada e hoje cursa o terceiro período de Direito. Antes que o curso começasse, Silvia ainda aprimorou o currículo com um intercâmbio em Nova York para afiar o inglês, que, ela sabia, também seria determinante na carreira.

Mesmo acessando uma educação de elite, Silvia se preocupa com o futuro, porém.

— Reconheço que venho de uma família extremamente privilegiada, mas também tenho consciência de que o Brasil passa por grandes dificuldades. O desemprego enorme assusta. Na carreira que escolhi, há uma massa enorme de advogados. Tudo isso me preocupa — conta a jovem de 19 anos.

Mas Sílvia acredita que dificilmente faltarão oportunidades para alguém com sua formação:

— O que me dá segurança é que eu vou ter um excelente diploma e tenho potencial e repertório. O Brasil vai continuar precisando de bons profissionais.

Para alguém com suas possibilidades, a abrangência de oportunidades é também maior que o Brasil. Daqui a um ano, seu plano é fazer mais um intercâmbio nos EUA. Depois de formada, o exterior também é uma possibilidade profissional.

—Tenho um desejo muito grande de seguir uma carreira fora, pelo menos por um período. A pandemia faz com que a gente questione tudo, mas esse é, sim, um caminho — afirma.

Se o Rio fosse um país, ocuparia o 23º lugar no ranking mundial de mortes por Covid-19

O estado do Rio ultrapassou neste domingo a marca de mil mortes causadas pelo novo coronavírus. Desde o início da pandemia, 1.019 pessoas morreram e outras 11.139 foram infectadas pela doença. Se fosse um país, o estado estaria em 23º lugar no ranking mundial de mortes por Covid-19. Apenas 22 países tinham, até ontem, mais de mil mortes registradas.

O número de óbitos por Covid-19 é equivalente ao total de homicídios dolosos registrados entre janeiro e março deste ano no estado. Segundo dados do ISP, foram 1.044 mortes nos três primeiros meses de 2020. Também equivale a quase três vezes o total de mortes nas rodovias federais fluminenses em todo o ano passado, quando foram contabilizadas 353 mortes, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Apenas 18 cidades do estado ainda não possuem casos registrados de Covid-19. Dos 74 municípios com pessoas já infectadas, 45 já tiveram pelo menos um óbito.

A capital continua sendo o epicentro da pandemia no estado. Na cidade do Rio, já foram confirmadas 631 mortes pelo coronavírus e 6.750 pessoas infectadas. Nas últimas 24 horas, foram 302 novos casos e 28 óbitos.

Outra cidade que preocupa pelo alto número de mortes é Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. O município é o segundo que mais registrou mortes (84) e casos (484) no estado e foi uma das últimas cidades da região a tomar medidas de isolamento social. O terceiro município que mais registrou óbitos também é da Baixada: Nova Iguaçu já acumula 435 pessoas infectadas e pouco mais da metade das mortes (44) da cidade vizinha.

Na cidade do Rio, a curva de novos casos está ligeiramente abaixo do que o previsto em um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A projeção neste domingo era um acumulado de 7.118 infectados. A capital, porém, registrou até hoje 6% a menos. O estudo aponta que, até o próximo dia 12, mais de 10 mil pessoas serão infectadas. Se a taxa de letalidade se mantiver, o Rio poderá dobrar o número de óbitos.

—A tendência é ter números mais expressivos ainda. A estimativa é que o total possa ser entre 15 e 20 vezes mais do que os dados oficiais — conta o infectologista Edimilson Migowski, diretor de relações externas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Zona Oeste preocupa a prefeitura

A doença já se alastrou por toda a cidade, e a Zona Sul, região que concentrava até o fim de abril o maior número de casos, já não é o epicentro no Rio. A Zona Oeste se transformou na área com maior número de casos. Dos dez bairros com mais óbitos, apenas quatro não são são da região: Copacabana(35), Tijuca (24), Vila Isabel (11) e Flamengo (11).

Apesar dos decretos de isolamento social publicados pelos governos estadual e municipal, parte da população ainda não aderiu às medidas. O Disk-Aglomeração da prefeitura do Rio já recebeu mais de mil reclamações de sobre a circulação de pessoas sem máscaras, cujo uso se tornou obrigatório desde 23 de abril. Dos dez bairros que mais receberam denúncias, seis são da Zona Oeste. A região também é a que mais concentrou aglomerações nos últimos cinco dias, de acordo com dados do Centro de Operações.

O prefeito Marcelo Crivella disse neste domingo que pode bloquear vias e interditar calçadões do comércio de rua na Zona Oeste como forma de conter aglomerações. Esta semana é considerada crucial para conter a velocidade de contágio da pandemia do coronavírus, porque ainda faltam respiradores e insumos que só chegarão da China nos próximos dias.

— A Zona Oeste, com as ruas cheias, representa uma certeza de hospitais ainda mais cheios em poucos dias — afirma Migowski.

Companhias incluem a telemedicina como benefício para funcionários

Cresce o número de empresas brasileiras que oferece, como um benefício extra ao plano de saúde, serviços de telemedicina a funcionários durante a pandemia. Empregados experimentam pela primeira vez consultas médicas online e médicos se adaptam a uma nova forma de atuar.

Na VLI, do setor de transporte de cargas, a telemedicina é uma realidade adicional ao plano de saúde nas últimas três semanas. “Como a gente não sabe ainda se a curva de contaminação vai achatar, e se teremos braço suficiente na nossa equipe de medicina de trabalho para esse acompanhar de forma próxima nossos funcionários, recorremos à telemedicina”, diz Rute Melo Araújo, diretora de gente e serviços. Todos os cerca de 7,5 mil funcionários do grupo, sendo que 1,2 mil está em home office, têm acesso a um aplicativo da empresa Conexxa, onde podem se consultar remotamente, sem custo, com um médico.

O benefício vale para os dependentes diretos dos empregados. Até o dia 29 de abril, foram 356 consultas realizadas. Uma delas envolveu Elizabeth Pimenta, analista de responsabilidade social da VLI. Sentindo um desconforto no trato urinário na semana passada, ela acessou o aplicativo pelo celular, seus dados foram identificados, ela concordou com um termo de consentimento e foi atendida em dez minutos. Sua consulta durou meia hora e ela descreve o atendimento como “atencioso, detalhado e humano”. “Eu achava que telemedicina era algo frio, mas me senti como se tivesse no consultório, olhando a médica na câmera e conversando sobre meu caso por meia hora”, diz Elisabeth. Ao final, recebeu a receita de remédio por SMS e e-mail para seguir com um tratamento em casa por sete dias. “Consegui evitar o deslocamento, os gastos e o risco de ter que ir com meu filho a um hospital na pandemia”.

Na SAP, 1,1 mil funcionários da operação brasileira estão com acesso aos serviços de telemedicina por meio da operadora de saúde Omint que oferece duas modalidades de atendimento a distância por teleconferência utilizando o Skype ou telefone. O serviço atende pacientes para análise de casos pontuais ou de baixa gravidade.

Na startup QuintoAndar, os médicos que atendiam no espaço de saúde físico no escritório passaram a atender de casa, por videochamada ou WhatsApp, funcionários com questões de saúde ou psicológicas. “O teleatendimento agora é a principal ferramenta dos nossos dispositivos de saúde”, diz Daniel Seixas, gerente da área de pessoas, citando adaptações também no plano de saúde oferecido.

A regulamentação da telemedicina válida para a pandemia impulsionou a demanda no setor de saúde.

Já no Grupo GR, empresa de segurança patrimonial com 12 mil funcionários em 16 estados, a telemedicina foi uma alternativa “para dar apoio e acolhimento aos funcionários” durante a pandemia, segundo Alex Oreiro, VP administrativo financeiro. Para o empregado Leandro Barbosa da Silva, a consulta online foi uma boa alternativa para “poupar tempo” e diminuir o risco de ir a um posto de saúde. “Eu já tinha ido a um posto, esperado três horas para ser atendido e realizado o exame de covid, que deu negativo. Mas como os sintomas não sumiram, procurei a teleconsulta. Foi muito prático, me tranquilizou e a médica me orientou sobre cuidados no isolamento e com minha família”.

A prática da telemedicina, para teleorientações, telemonitoramento e interconsultas entre médicos foi viabilizada em março, com regulamentação do Conselho Federal de Medicina (CFM) e de uma portaria do Ministério da Saúde. As normas, válidas para a pandemia, permitem o uso de tecnologia para a prática da medicina a distância. Acabaram por impulsionar uma demanda que crescia no setor de saúde. No Doutor Consulta, que lançou a plataforma dr. consulta on-line em 25 de março com 300 médicos no atendimento, a especialidade mais procurada remotamente é a psiquiatria.

No total, desde o lançamento, foram realizadas 9,5 mil consultas para 20 especialidades. No Hospital Sírio Libanês, 72% das 16 mil consultas em abril foram de forma remotas. Antes da crise e da nova regulamentação, o Sírio Libanês realizava 30 mil consultas, sendo 27% por plataformas digitais. “Como muitas das nossas empresas-clientes estão com funcionários em home office, conseguimos realocar parte da equipe de saúde que atuava nos ambulatórios (médicos, enfermeiros, nutricionistas e psicólogos) para o atendimento digital”, diz Fabio Patrus, diretor de Unidades Externas e Saúde Corporativa.

Já no Hospital Israelita Albert Einstein o número de empresas que utilizam o serviço cresceu de 15 para 60 nos últimos dois meses. “Antes da crise, 400 mil pessoas tinham acesso à nossa telemedicina. Agora, são 1 milhão e meio”, diz Eduardo Cordioli, gerente médico de Telemedicina da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.

Grande parte das consultas online atuais corresponde a possíveis sintomas da covid-19, mas Cordioli diz que nas últimas semanas cresceu o atendimento para doenças crônicas, como diabete, e especialidades como pediatria e dermatologia. O tempo de espera médio para ser atendido é de 3 minutos e meio e as consultas on-line duram, em média, 12 minutos e meia hora para uma especialidade.

Esse atendimento do Einstein está acessível desde abril para os 48 mil funcionários do Banco Santander. A diretora de RH, Vanessa Lobato, explica que esta é uma possibilidade extra à cobertura do plano de saúde oferecido e que foi implementada para evitar o deslocamento dos funcionários a hospitais diante de possíveis sintomas da covid-19. Eles podem acessar o atendimento por um aplicativo ou site específico do hospital e pagam R$ 18,75 por consulta. “Nos primeiros três dias, foram 200 atendimentos. Foram 200 pessoas que não foram a hospitais”, diz Vanessa. Entre os funcionários que já utilizaram o serviço, está Luana Lima, analista de RH. “Estava com febre e dor no corpo”, conta. Nesse momento, não conseguiu executar o app por problemas técnicos, então ligou para um número específico do hospital, disponibilizado no comunicado interno do banco. “Me enviaram na hora um link para a chamada em vídeo por SMS, fiz a triagem online e em dez minutos fui atendida”. Ela diz que a atenção gerada pelo médico, o fato dele não se dispersar durante o atendimento, lhe trouxe confiança – algo que não esperava da telemedicina.

A maior adesão de pessoas e empresas à telemedicina durante a covid -19 também impacta a carreira médica. “Essa situação da pandemia mudou radicalmente a percepção geral na área. Vemos um maior interesse de médicos mais experientes e a noção de que a telemedicina é uma oportunidade para manter contato com pacientes, evitar o encontro físico e praticar uma medicina similar àquela presencial”, diz o cardiologista Carlos Pedrotti, médico referência do centro de teleatendimento do Einstein.

A conexão de Pedrotti com a telemedicina começou no Einstein em 2012 quando, como define, esse campo “era muito mais futuro do que algo difundido na sua carreira”. Desde lá, com projetos pilotos, ajudou a desenvolver os 40 protocolos de atendimento (on-line) de doenças de baixa complexidade que o Einstein possui atualmente. “Detalhamos a forma de atuação e quando devemos encaminhar o paciente para o hospital”. Atualmente, o centro de telemedicina do Einstein realiza 800 teleconsultas diárias. A taxa de “resolução” é de 85%, ou seja, apenas 15% dos pacientes atendidos são encaminhados para atendimento presencial. Pedrotti diz que a maioria dos médicos se adapta bem à telemedicina e que as maiores dificuldades são com relação à postura em uma videoconferência (câmera, iluminação, comunicação). A grande adaptação no atendimento em si é o exame físico a distância. “Existem técnicas cada vez mais sofisticadas para essa condução, mas hoje a avaliação envolve a feição do paciente, coloração da pele e orientação para ajuda na visualização da garganta”.

Aos funcionários e pacientes que estão realizando uma consulta on-line pela primeira vez, Chao Lung Wen, professor da Faculdade de Medicina da USP e chefe da disciplina de telemedicina, orienta que eles devem consentir com um termo explicando o procedimento, condições de atendimento e eventuais limitações. “O paciente deve saber também que o sigilo médico precisa ser mantido no atendimento remoto, o que pressupõe que o vídeo não pode ser gravado e nem dados serem vazados”. Aos médicos que estão começando na telemedicina, Chao acredita ser necessário um treinamento de cerca de 15 horas sobre ética, segurança e responsabilidade digital e teleatendimento humanizado.

Senado aprova auxílio de R$ 125 bilhões para estados e municípios

O Plenário do Senado aprovou neste sábado (2) o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus (PLP 39/2020), que prestará auxílio financeiro de R$ 125 bilhões a estados e municípios para combate à pandemia da covid-19. O valor inclui repasses diretos e suspensão de dívidas. Foram 79 votos favoráveis e um voto contrário. O tema segue para a Câmara dos Deputados.

O programa vai direcionar R$ 60 bilhões em quatro parcelas mensais, sendo R$ 10 bilhões exclusivamente para ações de saúde e assistência social (R$ 7 bi para os estados e R$ 3 bi para os municípios) e R$ 50 bilhões para uso livre (R$ 30 bi para os estados e R$ 20 bi para os municípios). Além disso, o Distrito Federal receberá uma cota à parte, de R$ 154,6 milhões, em função de não participar do rateio entre os municípios. Esse valor também será remetido em quatro parcelas.

Além dos repasses, os estados e municípios serão beneficiados com a liberação de R$ 49 bilhões através da suspensão e renegociação de dívidas com a União e com bancos públicos e de outros R$ 10,6 bilhões pela renegociação de empréstimos com organismos internacionais, que têm aval da União. Os municípios serão beneficiados, ainda, com a suspensão do pagamento de dívidas previdenciárias que venceriam até o final do ano. Essa medida foi acrescentada ao texto durante a votação, por meio de emenda, e deverá representar um alívio de R$ 5,6 bilhões nas contas das prefeituras. Municípios que tenham regimes próprios de previdência para os seus servidores ficarão dispensados de pagar a contribuição patronal, desde que isso seja autorizado por lei municipal específica.

O auxílio foi aprovado na forma de um texto apresentado pelo relator, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), e que substitui a proposta original enviada pela Câmara (PLP 149/2019). Dessa forma, o Senado, como autor do projeto de lei (PLP 39/2020), terá a palavra final sobre o assunto — ou seja, caso os deputados promovam mudanças, elas terão que ser confirmadas pelos senadores.

Distribuição

A fórmula para repartir os recursos entre os entes federativos foi uma das grandes alterações promovidas por Davi Alcolumbre no seu texto substitutivo. A versão da Câmara usava como critério a queda de arrecadação dos impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

Em nota técnica publicada no último dia 24, a Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI) observou que essa regra levaria a um impacto fiscal de maior risco para a União, além de criar incentivo para um relaxamento de controles fiscais por parte dos estados e municípios. Além disso, Davi esclareceu que o critério antigo trazia problemas de operacionalização e fiscalização e tenderia a favorecer os estados e municípios mais ricos.

Dos R$ 60 bilhões de auxílio direto aprovados neste sábado, R$ 50 bilhões poderão ser usados livremente. Essa fatia será dividida em R$ 30 bilhões para os estados e o Distrito Federal e R$ 20 bilhões para os municípios. Originalmente essa divisão era de metade para cada grupo de entes federativos, mas o Plenário reivindicou um aporte maior para os estados, o que foi acatado por Davi, presidente do Senado, que assumiu a relatoria e as negociações do texto junto à Câmara e ao governo federal.

O rateio por estado será feito em função da arrecadação do ICMS, da população, da cota no Fundo de Participação dos Estados e da contrapartida paga pela União pelas isenções fiscais relativas à exportação. Já o rateio entre os municípios será calculado dividindo os recursos por estado (excluindo o DF) usando os mesmos critérios para, então dividir o valor estadual entre os municípios de acordo com a população de cada um.

Um dispositivo acrescentado ao projeto durante a votação determina que estados e municípios deverão privilegiar micro e pequenas empresas nas compras de produtos e serviços com os recursos liberados pelo projeto.

Por sua vez, os R$ 7 bilhões destinados aos estados para saúde e assistência serão divididos de acordo com a população de cada um (critério com peso de 60%) e com a taxa de incidência da covid-19 (peso de 40%), apurada no dia 5 de cada mês. Os R$ 3 bilhões enviados para os municípios para esse mesmo fim serão distribuídos de acordo com o tamanho da população.

Davi Alcolumbre explicou que usou a taxa de incidência como critério para estimular a aplicação de um maior número de testes, o que é essencial para definir estratégias de combate à pandemia, e também porque ela serve para avaliar a capacidade do sistema de saúde local de acolher pacientes da covid-19. Já a distribuição de acordo com a população visa privilegiar os entes que poderão ter maior número absoluto de infectados e doentes. Davi observou que não adotou o mesmo critério para divisão entre os municípios porque é mais difícil medir a incidência em nível municipal e para não estimular ações que possam contribuir para espalhar mais rapidamente a covid-19, como a liberação de quarentenas.

Dívidas

A suspensão de dívidas abrangerá os pagamentos programados para todo o ano de 2020. Os valores não pagos serão incorporados ao saldo devedor apenas em 1º de janeiro de 2022, atualizados, mas sem juros, multas ou inclusão no cadastro de inadimplentes. A partir daí, o valor das parcelas que tiveram o pagamento suspenso será diluído nas parcelas seguintes.

Os valores pagos durante o período de suspensão serão atualizados e somados aos encargos de adimplência para abaterem o saldo da dívida a partir de janeiro de 2021. As parcelas anteriores a março de 2020 não pagas em razão de liminar da Justiça também poderão ser incluídas no programa. Também nesse caso não caberão juros e multa por inadimplência.

Em outra frente, o substitutivo permite a reestruturação das dívidas internas e externas dos entes federativos, incluindo a suspensão do pagamento das parcelas de 2020, desde que mantidas as condições originais do contrato. Nesse caso, não é necessário o aval da União para a repactuação e as garantias eventualmente oferecidas permanecem as mesmas.

Para acelerar o processo de renegociação, a proposta define que caberá às instituições financeiras verificar o cumprimento dos limites e condições dos aditivos aos contratos. Já a União fica proibida de executar garantias e contra garantias em caso de inadimplência nesses contratos, desde que a renegociação tenha sido inviabilizada por culpa da instituição credora.

Histórico

O PLP 149/2019 foi apresentado pelo governo à Câmara em junho para ajudar estados e municípios em situação financeira difícil a recuperarem o equilíbrio fiscal. Apelidado de “Plano Mansueto” (nome de seu idealizador, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto de Almeida), o texto previa o refinanciamento de dívidas com a União e novos empréstimos, além de aumentar as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 2000) para que as contas públicas dos entes federativos permanecessem equilibradas a médio e longo prazos.

Com o agravamento da pandemia da covid-19, e como o projeto já estava pronto para ser votado pela Câmara, os deputados usaram o texto para propor um programa de socorro aos entes da Federação. O ponto central era a compensação por perdas de arrecadação causadas pela queda na atividade econômica. Aprovado em abril, o novo PLP 149/2019 foi enviado ao Senado.

O projeto da Câmara, no entanto, desagradou a área econômica do governo federal por obrigar a União a compensar toda a perda de arrecadação com o ICMS e o ISS de abril a setembro de 2020, sem contrapartidas ou valor fixo.

O governo fez então uma contraproposta. Em audiência pública no Senado, na última quinta-feira (30), o ministro da Economia, Paulo Guedes, explicou que a União se propunha a desembolsar cerca de R$ 120 bilhões para ajudar estados e municípios, por meio de auxílio direto, suspensão do pagamento de dívidas e reforço ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Como contrapartida, os entes adotariam medidas de controle dos gastos públicos.

O tema já era tratado, no Senado, pelo PLP 39/2020, do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), e, assim, os dois projetos passaram a tramitar em conjunto, cumprindo requerimento dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Esperidião Amin (PP-SC). Numa medida rara, a relatoria dos projetos foi entregue ao presidente Davi Alcolumbre, que fez a opção por dar preferência ao PLP 39/2020 para que o Senado pudesse tomar a frente nas negociações entre o Congresso e o Executivo. O parecer aprovado levou ao arquivamento do PLP 149/2020, que integrava o Plano Mais Brasil do governo federal. 

Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus

RECURSOS
R$ 60,1 bilhões de auxílio federativo
R$ 50,1 bi para uso definido pelos estados, municípios e Distrito Federal —> R$ 30 bi estados —> R$ 20 bi municípios —> R$ 154,6 mi DF R$ 10 bi para saúde pública e assistência social —> R$ 7 bi estados —-> R$ 3 bi municípios
R$ 49 bilhões com a suspensão do pagamento de dívidas com a União em 2020
R$ 10,6 bilhões com a renegociação das dívidas com organismos internacionais
R$ 5,6 bilhões com a suspensão de pagamentos de dívidas previdenciárias dos municípios
CONTRAPARTIDAS
» Proibição de reajuste de salários e benefícios para servidores públicos até 2022, incluindo parlamentares, ministros e juízes, e excetuando servidores das áreas da saúde, segurança pública e das Forças Armadas
» Proibição de progressão na carreira para os servidores públicos, com exceção dos servidores dos ex-territórios e de cargos estruturados em carreira, como os militares
» Vedação de aumento da despesa obrigatória acima da inflação, exceto para covid-19
» Proibição de contratação, criação de cargos e concurso para novas vagas, exceto vagas em aberto e de chefia, e de trabalhadores temporários para o combate à covid-19
MUDANÇAS NA LRF
» Veto a aumento de despesas com pessoal no fim do mandato de titulares de todos os poderes e esferas
» Flexibilização para permitir transferências voluntárias, novos empréstimos, renegociação de dívidas, antecipação de receitas, aumento de despesas relativas à covid-19, gasto de receita vinculada a outros fins

Fonte: Agência Senado