Guedes ‘aparece’ para dar seguimento às propostas da agenda econômica

O encerramento do processo eleitoral nos municípios é a senha para o Congresso acelerar a votação da agenda econômica. Há dúvidas quanto ao alcance desse esforço legislativo na reta final de ano. Mas a votação, na semana passada, do projeto de lei que muda o marco das falências reduziu o desconforto nos bastidores com o imobilismo da agenda legislativa. O ministro da Economia, Paulo Guedes, até havia intensificado suas aparições em público para dividir a responsabilidade pela paralisia com o Congresso Nacional.

Levantamento feito pelo Valor mostra que, entre os dias 12 e 23 deste mês, o ministro apareceu em sete lives, com críticas cada vez mais contundentes ao Congresso Nacional. No dia 23, por exemplo, ele discursou em três eventos sempre reforçando a defesa da equipe econômica e empurrando a culpa pela demora na aprovação de temas de interesse do governo aos deputados e senadores.

No mês de outubro, foram, ao todo, seis eventos públicos. Não foram consideradas entrevistas concedidas por Guedes na portaria do Ministério da Economia, participação em solenidades no Palácio do Planalto e em comissões no Congresso Nacional.

Um interlocutor do ministro da Economia disse que a intensificação da agenda pública tem por objetivo evitar que a conta da paralisia do governo caia em seu colo. Outra fonte complementa que essa não foi uma estratégia combinada ou ensaiada. A intenção do Guedes era reforçar que está fazendo sua parte de elaborar medidas, mas que depende do Congresso Nacional para implementá-las.

Em todas as lives que realizou em novembro, Guedes afirmou que uma aliança de centro-esquerda impediu a venda de empresas estatais. E frisou que as propostas do governo para o ajuste fiscal e para a retomada dos investimentos já foram enviadas ao Legislativo. Rebateu a ideia que o governo não tem um plano, mas deixou claro que não proporá um projeto centralmente dirigido de desenvolvimento econômico.

No auge da tensão, houve estranhamento até com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Questionado sobre uma declaração deste último, que seria necessário um plano para recuperar a credibilidade da política fiscal, o ministro reagiu no estilo bateu, levou. “Pergunta a ele qual o plano dele para recuperar a credibilidade.” No dia seguinte, ambos afirmaram defender a mesma coisa.

A trombada ocorreu bem na noite de quarta-feira, quando foi aprovada a nova lei de falências. Foi uma votação importante, não só porque as alterações serão necessárias para dar mais agilidade à retomada das empresas no pós-pandemia, mas também porque marcou o destravamento da pauta econômica no Congresso Nacional.

As votações nas próximas semanas determinarão o que ocorrerá nas contas públicas nos próximos cinco ou dez anos, afirmou na semana passada o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal. Algum avanço na agenda fiscal ajudaria a amenizar dúvidas quanto à capacidade do governo de retomar a trilha do ajuste. Uma expectativa mais otimista quanto ao comportamento da dívida pública ajudaria a reduzir os prêmios de risco.

Do contrário, o cenário se mostra difícil. O elevado endividamento, provocado pelo forte aumento dos gastos devido à pandemia, e as dúvidas quanto à prorrogação do auxílio emergencial estão e continuarão pressionando os juros de longo prazo, caso nada seja feito. Simulações realizadas pelo Tesouro mostram que o choque combinado de alta de um ponto percentual no resultado primário e no Produto Interno Bruto (PIB) poderia elevar a dívida como proporção do PIB em até oito pontos até 2023.

O secretário listou o que seria bom aprovar neste ano: do lado fiscal, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que inclui os “gatilhos” que permitem ao governo conter gastos obrigatórios e o Projeto de Lei Complementar (PLP) 137, que autoriza utilizar R$ 177 bilhões de dinheiro de fundos setoriais para quitar despesas em 2020. As PECs que reestruturam as contas públicas foram encaminhadas ao Congresso Nacional em dezembro de 2019 e ainda dependem de consenso para avançarem.

Na agenda de produtividade, o secretário citou os novos marcos legais do gás natural, da cabotagem e das ferrovias, além de duas matérias já aprovadas: saneamento e falências. Deu como certa a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021. Sem ela, não será possível ao governo pagar despesas a partir do dia 1º de janeiro.

Nos bastidores do Ministério da Economia, a avaliação é que só a agenda de produtividade tem chances de ser votada em 2020, pois são temas técnicos e pouco polêmicos. Já as medidas fiscais contrariam grupos de pressão poderosos no Congresso, como os funcionários públicos e as bancadas regionais.

O senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC do Pacto Federativo, que pode aglutinar outras propostas da área fiscal, tem participado de reuniões no Palácio do Planalto e no Ministério da Economia. São iniciativas importantes, mas a dúvida é se terão “acabativa” em 2020, disse uma fonte. O que há, avaliou, é um trabalho para a criação de consensos que permitirão votar essas matérias em 2021, após a definição das mesas diretoras da Câmara e do Senado.

Essa disputa, mais do que a das prefeituras, é que tem paralisado as votações no Congresso. Mas ambas as eleições terão impacto na composição de forças no Legislativo. Só então será possível ter um quadro mais claro sobre as chances do governo de avançar com as propostas polêmicas que abrem caminho para o ajuste estrutural das contas públicas. É uma discussão que se arrasta desde a promulgação da Constituição de 1988.

Valor Econômico

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