Sem reforço no caixa em 2021, novos prefeitos têm o desafio de equilibrar as contas

O fim do auxílio federal aos municípios para enfrentar as consequências da pandemia deve ser um desafio a mais para prefeitos eleitos e reeleitos manterem em alta as receitas das prefeituras a partir de 2021. Levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV) feito a pedido do GLOBO mostra que as capitais receberam neste ano mais do que precisavam para tapar o buraco na arrecadação provocada pela interrupção de atividades econômicas, e muitos prefeitos experimentaram aumento do caixa em plena crise.

Mas, sem a ajuda extra no ano que vem, o equilíbrio das contas municipais ficará mais vulnerável à recuperação da atividade econômica, ainda incerta diante do recrudescimento da pandemia e do risco de novos fechamentos forçados.

Os recursos transferidos por estados e pela União às prefeituras de todas as capitais (exceto Brasília) somaram R$ 60,1 bilhões entre janeiro e agosto, alta de 14% ante igual período do ano passado, já descontada a inflação.

Ao mesmo tempo, o dinheiro arrecadado com tributos recuou 2%, para R$ 52,6 bilhões. O resultado foi uma alta de 6% no total das receitas dessas cidades.

O volume de transferências inclui a parcela da arrecadação de impostos estaduais como ICMS e IPVA repassada para as prefeituras, mas a alta registrada neste ano foi influenciada principalmente por programas federais, segundo o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV Matheus Rosa, autor do estudo.

O Tesouro Nacional repassou R$ 23 bilhões às cidades neste ano para mitigar efeitos da crise, somando-se a programas como o de recomposição de perdas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Incerteza nos serviços

Segundo Rosa, apesar do saldo negativo no acumulado no ano, a arrecadação de impostos nas capitais vem reagindo desde junho. Mas ele alerta que ainda há incerteza sobre a continuidade dessa tendência.

A preocupação maior é com a capacidade de recuperação do setor de serviços, já que o ISS — que incide sobre o segmento — é o principal tributo dos municípios.

— Diferentemente da produção industrial e do varejo, que estão com recuperação mais próxima do V (retomada rápida depois de brusca queda), os serviços ainda estão longe do pré-crise, com queda acumulada de 7% em 12 meses. Mesmo assim, a atividade nesse setor tem se recuperado a cada mês. Mas, para traçar cenários, caímos na questão da segunda onda da Covid-19 — diz o economista.

O GLOBO procurou todas as prefeituras das capitais do país. Nove responderam. Diante da incerteza, a maioria diz que pode demandar nova rodada de ajuda federal para compensar perdas com impostos e reforçar os investimentos em saúde, em caso de alta nas infecções por coronavírus.

Mas o governo federal, que tem o desafio de ajustar as contas da União ao teto de gastos em 2021, não cogita isso.

A capital onde o efeito dos repasses é mais evidente é Maceió (AL), que registrou alta de 44% nas transferências este ano, para R$ 1,5 bilhão. A receita tributária recuou 1% no período, para R$ 393 milhões. Assim, a capital alagoana tem, no acumulado do ano, alta de 34% na receita corrente líquida, somando R$ 1,9 bilhão.

O município está na lista de 18 capitais onde ocorre segundo turno das eleições neste domingo. A prefeitura de Maceió — cujo atual ocupante, Rui Palmeira (sem partido) não concorre à reeleição — informou que a expectativa é que as receitas tributárias retornem “gradativamente aos níveis anteriores” à crise, mas ressaltou as incertezas.

“Esperamos que o suporte do governo federal continue para que os municípios possam ter condições de continuar gerindo as cidades e prestando serviço à população”, diz nota da Secretaria Municipal de Finanças de Maceió.

Em Florianópolis (SC), as receitas com impostos recuaram 8% no acumulado do ano até agosto, para R$ 1,3 bilhão, mas as transferências subiram 16%, para R$ 586 milhões.

Segundo a prefeitura, os repasses foram importantes para manter gastos relacionados à saúde e ao ensino. A gestão do prefeito Gean Loureiro (DEM), reeleito no primeiro turno, informou esperar recuperação de 4,12% nas receitas tributárias no ano que vem.

Entre as medidas para garantir a retomada, a prefeitura faz planos para evitar novas medidas de isolamento social e diz confiar na chegada de uma vacina logo.

Alta de 11% no Rio

Maior economia do país, São Paulo relatou ter recebido, em transferências da União, R$ 2,25 bilhões. No entanto, a secretaria de Fazenda do governo de Bruno Covas (PSDB) — que disputa a reeleição — disse que só será possível avaliar o cenário de 2021 após o resultado das urnas neste domingo.

O Rio, onde o prefeito Marcello Crivela (Republicanos) também tenta se reeleger neste domingo, não respondeu aos repórteres. Com alta de 11% nas transferências, a prefeitura compensou a queda de 3% na arrecadação e ainda viu os recursos no caixa avançarem 1% no período analisado

O Tesouro Nacional informou que não prevê novos auxílios em 2021. “Não estamos trabalhando com esse cenário, haja vista que as transferências já realizadas mais que compensaram a perda de arrecadação decorrente da pandemia e que as transferências ordinárias, especialmente as vinculadas ao ICMS, têm apresentado bom desempenho nos últimos meses”, disse o órgão em nota.

O Tesouro diz que a situação fiscal das capitais é melhor que a dos estados e da União, e sugere cautela. “A recomendação é buscar responsabilidade fiscal, tomando bastante cuidado com renúncias de receitas, criação de despesas obrigatórias de caráter continuado e controle da despesa com pessoal e dos restos a pagar”.

Para o economista José Roberto Afonso, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a retração de apenas 2% das receitas tributárias nas capitais é um sinal positivo de recuperação da economia. Mas ele diz que é importante garantir mecanismos de ajuda às cidades se for necessário:

— Esse socorro não é uma questão federativa, mas de sobrevivência nacional, afinal, quem mais executa gastos com educação, saúde e segurança são governos locais. Tais serviços não podem parar e ainda têm que crescer na crise.

O Globo

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