Boom no mercado imobiliário: o aquecimento vai se manter após a pandemia?

Em fase de recessão no início da pandemia, o mercado imobiliário teve um resultado ao final de 2020 que nem os analistas mais otimistas imaginavam. Dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) e da Fundação Instituto de Pesquisas (Fipe) mostram que as vendas de imóveis cresceram 26,1% no ano passado. Foram 119.911 unidades comercializadas, o melhor resultado desde 2014, quando o setor estava em fase de expansão.

A Abrainc realizou uma pesquisa com empresários do ramo, que projetam uma alta de 38% na comercialização de imóveis em 2021. A pergunta agora é se esse boom será mantido nos próximos anos.

Alguns motivos justificam e fazem refletir sobre o futuro do mercado imobiliário.

Taxa de juros influenciou no resultado

Com a crise causada pela pandemia, o Banco Central baixou de forma drástica a taxa de juros básica da economia brasileira, a Selic, que interfere nas taxas cobradas em todo o sistema financeiro. A medida serve como uma alternativa para movimentar a economia, chamada de expansão monetária, visto que o governo não possuía caixa para realizar grandes investimentos, com orçamento estrangulado e em déficit.

Com a Selic mais baixa da história no ano passado, fechando em 2%, os financiamentos imobiliários ficaram mais atrativos àqueles que desejavam o sonho da casa própria ou que buscavam o mercado imobiliário para investir. Com a alta da inflação, o Banco Central realizou recentemente uma subida nos juros – um aperto monetário – que deve influenciar no patamar de vendas. Mas, com 2,75% hoje, a Selic ainda está em um dos níveis mais baixos quando considerada a média histórica.

Mercado imobiliário oscila em ciclos

Para os analistas, o aquecimento do mercado deve continuar. Rafael Ragazi, sócio e analista da Nord Research, afirma que a tendência vai se manter e deve ser o maior boom imobiliário da história do país. O setor vive os ciclos e o último boom foi entre 2010 e 2014. Em 2015, com a crise econômica, houve um volume elevado de distratos, o que levou a um rombo de caixa muito grande nas empresas.

— As empresas começaram a se recuperar, as expectativas começaram a melhorar um pouco e no final de 2018 e 2019 tivemos um volume maior de lançamentos, dando início ao ciclo atual — diz Ragazi.

Para quem compra, o juro baixo tende a facilitar os financiamentos imobiliários. Com prazos acima de 30 anos, o banco que vai financiar o comprador olha a perspectiva de longo prazo para definir a taxa. Se antes os bancos podiam rentabilizar o patrimônio comprando títulos do governo, sem muito risco, agora, com a Selic baixa, isso não é mais opção. Esse cenário desperta o interesse das instituições financeiras em conceder crédito. Além disso, as fintechs estão pressionando a competição e diminuindo as receitas com tarifas.

— Além do spread bancário, o crédito imobiliário ainda possui garantias. Essa taxa de juros segue muito baixa dado o padrão do Brasil, abaixo de 7% ao ano, em um financiamento de mais de 30 anos. É algo sem precedentes na história do país — reforça o analista.

Segundo o especialista, em relação à demanda, o déficit habitacional ainda é muito grande: cerca de oito milhões de moradias. Com a vacinação, a expectativa é que a recessão melhore, assim como a taxa de desemprego. Com isso, a demanda de crédito imobiliário pode ter nova alta. Para Ragazi, as incorporadoras já estão preparadas e a pandemia fez com que as pessoas dessem mais valor ao local onde moram.

De acordo com Caio Cezar de Carvalho, sócio da startup Lidderar, o aumento recente da Selic pode prejudicar um pouco o boom, mas, mesmo assim, esse cenário deve se manter.

— A velocidade do crescimento vai ser verificada apenas com o fim da pandemia e da crise econômica criada por ela. Aí o mercado imobiliário acompanharia o crescimento da renda, o que poderia criar uma possível bolha. Mas pelo menos um ano e meio a dois anos para que isso ocorra — destaca Carvalho.

Para Carvalho, uma nova bolha imobiliária, com super oferta, só ocorre quando o consumo está elevado, a renda em alta e há baixo índice de desemprego, o que não ocorre no Brasil atualmente.

— Há espaço para crescimentos, talvez num ritmo menos acelerado, por causa da sinalização do aumento da taxa Selic e agravamento da pandemia. A notícia boa é a vacinação, que mesmo em ritmo não tão acelerado, pode fazer a economia brasileira voltar a crescer. A tendência é termos valores positivos para este ano e o próximo, com possibilidade de confirmar o novo boom imobiliário brasileiro — diz o especialista.

Já a diretora-adjunta do Conselho Regional de Corretores de Imóveis de Santa Catarina (CRECI/SC), Shai Graeff, comenta que o crescimento em plena pandemia se deu pela baixa dos juros, mas acredita que as compras estão sendo feitas de forma sólida.

— Algumas regiões apresentaram aumento nos valores dos imóveis e terrenos, mas de forma orgânica e natural, uma vez que começa a faltar o produto, a tendência natural de mercado é que haja um aumento do seu valor — finaliza Graeff.

Mercado em alta exige qualificação dos profissionais

Edson Telê Campos, coordenador do curso de especialização em Direito e Negócios Imobiliários da Faculdade Cesusc , reforça que o mercado imobiliário é cíclico. Segundo ele, as mudanças no cenário em consequência da Covid-19 ainda são incertas. Mas, com o aquecimento recente, o professor destaca a necessidade de profissionais qualificados para atuação nessa área. Umas das formas de qualificação mais procuradas é a pós-graduação, pois contempla as mais diversas áreas de formação sejam advogados, investidores, operadores, corretores, engenheiros, incorporadores, que são os profissionais que conhecem o ramo imobiliário.

— Uma das opções é a pós-graduação em Direito e Negócios Imobiliários, da Faculdade Cesusc. É um curso bem prático e complementar, já que os cursos de Direito não oferecem disciplinas específicas sobre o mercado imobiliário — explica o professor Telê.

Essa é a nona turma da pós, que terá aulas remotas, ao vivo, devido à pandemia. Registros e documentação imobiliária, usucapião, direito criminal no setor imobiliário, tributos imobiliários, código de defesa do consumidor, contratos imobiliários e propriedade rural são alguns dos temas abordados no curso.

— Economizamos a vida toda para ter um imóvel. Muitas pessoas compram apenas um imóvel, dois no máximo. Às vezes, se economiza muito e ainda cai numa fria por não procurar um advogado para analisar a compra. Já tive um caso de um cliente de outro estado que quase comprou um terreno grilado. São muitos detalhes. Aquele imóvel pode estar pendurado, sem nenhuma certidão. E assim, o sonho da casa própria se perde – alerta Telê.

NSC Total

Housi se torna “market place” de aluguel de moradias

A Housi está expandindo suas atividades. A empresa nasceu como plataforma digital de locação de unidades residenciais da Vitacon . “Estamos deixando de ser uma bandeira de operação residencial para nos tornarmos um ‘market place’ de moradias por assinatura”, diz Alexandre Frankel, fundador da Housi. A empresa tem como meta ampliar o total de ativos de três a cinco vezes”, acrescenta o empresário.

Nesta nova fase, a Housi abriga, em sua plataforma, operadores de unidades residenciais, de hotéis e flats de todo o país. O inquilino define por quanto tempo pretende fazer a assinatura da moradia – não há exigência de um prazo mínimo, e as ofertas vão do segmento econômico ao alto padrão. É possível, dentro de uma mesma assinatura, o cliente migrar para imóvel maior ou menor, de unidade mais cara para mais barata ou até mesmo de cidade.

“A pessoa escolhe onde é mais interessante morar em cada momento da sua vida”, diz Frankel. O pagamento é feito, antecipadamente, a cada mês, por cartão de crédito. O processo de locação tem, segundo o empresário, a mesma simplicidade digital de quando um usuário chama um Uber.

Antes da pandemia de covid-19, a Housi tinha atuação em São Paulo e no Rio de Janeiro. Com a forte queda do turismo de negócios, a demanda corporativa por locação despencou. A empresa fechou, então, parceria com incorporadoras de todo o país, entre elas a pernambucana Moura Dubeux, para fazer a gestão de imóveis adquiridos por investidores com a finalidade de obtenção de renda por meio do aluguel. Com isso, ampliou sua presença para 40 cidades no ano passado. Para 2021, a intenção é chegar a 120 cidades com população a partir de 300 mil habitantes.

“Diante das incertezas e inseguranças, muitas pessoas não querem contratos de financiamento imobiliário por 30 anos ou de aluguel por 30 meses”, diz Frankel. A não existência de um prazo mínimo de locação dos imóveis que fazem parte da plataforma estimulou a demanda, segundo o empresário. Atualmente, a Housi tem mais de 1 milhão de acessos de usuários únicos. “Em breve, haverá mais de 20 mil imóveis contratados”, diz.

Nas parcerias com incorporadoras, a Housi participa desde a definição dos projetos. O levantamento feito pela plataforma em relação a hábitos dos clientes que buscam moradias, em cada região, possibilita ajustar a oferta à demanda, segundo Frankel. “Isso permite mais assertividade da venda e velocidade de comercialização maior”, afirma.

Considerando todos os lançamentos dos quais a Housi participará, neste ano, é como se a plataforma fosse, de acordo com o empresário, a maior incorporadora do Brasil, só que sem terrenos ou empreendimentos.

No entendimento do fundador, a compra de imóveis para investimento deve superar a aquisição por consumidores finais em 2021. Segundo Frankel, a parceria da Housi com 50 incorporadoras contribuiu para a venda de imóveis em 37 países no ano passado.

Nos imóveis integrantes da parceria com incorporadora vendidos para investidores, a Housi cuida da montagem das unidades e da contratação de pacotes de serviços, como internet e TV por assinatura. O cliente faz a opção pelos serviços dos quais pretende usufruir, entre eles, carro compartilhado, e paga conforme o plano escolhido.

Imóveis usados também são oferecidos para locação.

A Housi foi uma das empresas que tentaram abrir capital em 2020, mas não teve sua oferta inicial de ações (IPO) concluída. Na avaliação de Frankel, após a mudança do perfil da plataforma, aportes privados de capital parecem fazer mais sentido para acelerar a expansão da Housi do que captações públicas. “No momento, há algumas conversas com capital privado para aceleração do crescimento”, disse o empresário, sem informar detalhes. O fundo Redpoint eventures tem 15% de participação na empresa.

Valor Econômico

Pesquisadores descartam bolha em mercado de imóveis

O crescimento do mercado imobiliário brasileiro em 2020, período marcado pela queda na renda, pelo aumento no desemprego e pela crise econômica decorrente das medidas de controle da pandemia de Covid-19, reacende o debate quanto à existência de uma bolha de imóveis prestes a se romper.

Para os pesquisadores que participaram, ontem (31), do seminário online “Há bolha no mercado imobiliário?” promovido pela Folha e pelo Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da Fundação Getulio Vargas, a resposta curta é: não, não há traços de uma bolha no setor.

Debateram o assunto Ana Maria Castelo, pesquisadora do FGV Ibre, Alberto Ajzental, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, e Paulo Picchetti, professor do FGV Ibre. A mediação do encontro foi feita pelo repórter especial da Folha Fernando Canzian.

Formalmente, segundo Picchetti, a criação de uma bolha ocorre quando o crescimento do preço se descola do fluxo de renda que o ativo pode gerar. “A valorização [no preço dos imóveis] que vemos hoje vem sobre uma queda muito grande ocorrida a partir de 2014. O mercado ainda está recompondo os preços”, disse.

O ano de 2014 é lembrado como o fim de um ciclo de boom do mercado imobiliário, marcado depois por uma sequência de crises, juros elevados e regras mais rígidas para a concessão de crédito.

A sensação de que o mercado de imóveis “está bombando” ocorre muito devido à comparação com outros setores mais debilitados pela crise da pandemia. “Na Grande São Paulo, o crescimento não é tão grande como foi em 2013 ou 2014”, disse Ajzental.

Na avaliação dele, o fator mais importante para essa indústria no ano passado foi a redução de juros. Nos cálculos do pesquisador, cada ponto percentual de redução no custo efetivo total (o CET, que inclui juros e demais taxas) do financiamento imobiliário tem o potencial de incluir 1 milhão de famílias no crédito. De um custo de 13%, há cinco anos, hoje o mutuário contrata esse financiamento por 8%.

Para um imóvel de R$ 250 mil –faixa de preço mais comum no crédito–, para o qual o comprador empresta com o banco R$ 200 mil, a essa queda de juros reduz em R$ 90 mil a dívida total e em R$ 750 mensais a parcela.

Os juros menores aumentam o acesso às linhas de financiamento e também obrigam os investidores a buscarem outros ativos de renda fixa que superem a inflação. Enquanto o mercado formal de investimentos busca aplicações em fundos imobiliários, as famílias tendem a “comprar tijolo”, em busca da renda de aluguéis.

“Quem está por trás dessas compras? Não sabemos a proporção, mas é possível que também tenham sido famílias que tenham deslocado seus recursos, aplicando o dinheiro para alugar”, afirmou Ana Maria Castelo.

Para Picchetti, quem comprou pensando em alugar o imóvel ou como estratégia de diversificação de investimentos não vai perder dinheiro. “Em um momento de incerteza enorme com as contas do governo, os imóveis vão aparecer de novo como alternativa segura”.

“Quando a gente fala de retorno de locação, que é 0,3% a 0,5% ao mês, menos de 6% ao ano, não variou tanto. Na verdade, quando você tinha a Selic altíssima, o retorno de locação era um patinho feio, mas depois, quando a Selic cai para 2% e a poupança está dando 1,4% ao ano, mesmo que o retorno de locação não tenha variado, comparativamente ele ficou mais interessante como investimento de renda fixa”, disse Ajzental.

NOVOS RUMOS PARA O SEGMENTO COMERCIAL

O mercado corporativo deve passar por mudanças decorrentes da adaptação de empresas e funcionários ao trabalho remoto, o home office. Isso não quer dizer, porém, que os grandes escritórios, as lajes corporativas, deixarão de existir.

Para Alberto Ajzental, ao fim da pandemia, as empresas voltarão a ocupar andares e prédios, mas com outro funcionamento. Esses espaços passarão a ser usados menos como locais de trabalho e mais como lugares de encontros, conversas e reuniões.

Além disso, o pesquisador diz que a laje corporativa tem um aspecto aspiracional: “as empresas querem estar em um AAA [os prédios triple A, no jargão do mercado para designar os melhores edifícios] na Faria Lima” (avenida na zona oeste de São Paulo que concentra empresas do setor financeiro).

A situação será mais dramática para os conjuntos comerciais, aqueles com duas salas e banheiro. “O profissional liberal de uma atividade que não precisa de equipamentos vai fazer as contas e descobrir que não tem porque alugar esse espaço”, afirmou Ajzental.

FGV ESTUDA NOVO ÍNDICE PARA CORRIGIR ALUGUÉIS

O professor do FGV Ibre Paulo Picchetti disse no seminário que a instituição está estudando um índice alternativo que possa substituir o IGP-M (Índice Geral de Preços Mercado) nos contratos de locação.

Em 12 meses, o IGP-M, que é conhecido como a inflação dos aluguéis, registra variação de 31,1%, pressionado principalmente pelos preços de commodities negociadas em dólar.

Segundo Picchetti, a ideia é construir um índice que tenha relação com o mercado de aluguéis. “Estamos conversando com parceiros potenciais. O que a gente precisa são fontes de informação para construir um acordo de compartilhamento de dados para construir um índice que consiga refletir o mercado como um todo”, afirmou.

Ainda não há expectativa de quando esse novo índice começaria a ser apurado, mas o pesquisador disse que há pressa em criar um mecanismo mais próximo da realidade do mercado.

Folha de SP