Proposta de reforma tributária ‘é um retrocesso e favorece a sonegação’, diz Everardo Maciel

Ex-secretário da Receita entra 1995 e 2002, quando deixou de haver tributação sobre dividendos, Everardo Maciel critica a proposta de reforma tributária, que, para ele, favorece a sonegação. Maciel afirma que o texto poderia ser “incinerado” e que o atual sistema tributário da renda no Brasil é “simples”.

O que o senhor espera da reforma tributária?

Vou pegar emprestado uma frase de um amigo, questionado sobre outro projeto: “Incinere o projeto. E, em caso de reincidência, incinere o autor”. Obviamente é uma brincadeira. É algo caótico. Estou escrevendo um artigo cujo título é “o Inferno fiscal”. Inferno na definição de Dante: o caos impiedosamente ordenado.

Como o senhor vê a proposta de volta da tributação de dividendos?

Acho muito ruim, é um retrocesso e favorece a sonegação. Você pode tributar apenas na empresa, apenas na distribuição ou nos dois momentos. Quando o governo propõe uma redução na tributação da empresa para incluir a tributação dos dividendos, tacitamente ele reconheceu que há relação entre as duas coisas, e obviamente há uma bitributação.

Quais podem ser os efeitos?

Vamos ver o aspecto da evasão fiscal. A tributação por dividendos estimula uma prática que desapareceu no país, que é a distribuição disfarçada de lucros. Em 2020, o Banco Central determinou que as instituições financeiras não poderiam distribuir mais que o mínimo exigido no estatuto. E, se você faz isso, a arrecadação desaparece.

Na Europa, no ano passado, houve uma determinação correta de que nenhuma empresa que recebeu subsídio, por causa da pandemia, poderia distribuir dividendo. A arrecadação cairia.

A redução do Imposto de Renda nas empresas não superaria o aumento da tributação dos dividendos?

Há uma relação empírica: um ponto percentual de alíquota no lucro corresponde a quatro pontos percentuais no dividendo. A proposta corta em 2,5 pontos percentuais a tributação do IR e coloca 20% de dividendos. Se fosse fazer uma equivalência, teria de ser uma alíquota de 10% de dividendos.

Seria melhor deixar como está a cobrança de tributos?

Temos um sistema que funciona, dá certo e é admirado pelo resto do mundo. O que (o presidente dos Estados Unidos) Joe Biden está propondo é o que já fazemos aqui há muito tempo na tributação de empresas. O sistema tributário da renda no Brasil é o mais simples do mundo. Temos problemas outros, como na tributação de consumo.

E como fica o fim do desconto simplificado do IR para quem ganha acima de R$ 40 mil por ano?

Vai haver um alívio no Imposto de Renda retido na fonte em 2022, que é ano eleitoral, se o projeto passar agora. E depois vai pagar muito mais tributo em 2023. Vamos lá: entre R$ 40 mil e R$ 80 mil anuais, a primeira faixa, é onde a imensa maioria opta pelo desconto simplificado. Todos os contribuintes desta faixa, sem o desconto simplificado, vão ter aumento de carga tributária. Todos, não há exceção. Quem ganha entre R$ 3 mil e R$ 7 mil por mês terá aumento de imposto.

O Globo

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