‘Simplifica Já’ resultaria num sistema mais complexo do que a criação do IBS

Na discussão sobre a reforma da tributação do consumo, as entidades representativas dos municípios de maior porte, assim como algumas entidades empresariais, têm defendido uma proposta conhecida como Simplifica Já (ver meu artigo Os municípios na reforma tributária, publicado neste espaço em 15/9/2020).

Ao contrário da proposta de reforma tributária ampla do consumo, que propõe a unificação do imposto municipal sobre serviços (ISS) e do imposto estadual sobre circulação de mercadorias (ICMS) em um imposto sobre bens e serviços (IBS), o Simplifica Já propõe a manutenção da segmentação entre o ISS e o ICMS. O apoio ao Simplifica Já resulta, de um lado, do desejo dos grandes municípios em continuar cobrando o ISS e, de outro, da pressão de alguns setores pela menor tributação do consumo de serviços.

Ainda que a reforma tributária ampla mantenha a carga tributária total, uma de suas consequências é a redistribuição da tributação, com alguns setores pagando menos que hoje e outros pagando mais. É natural que setores que acham que serão prejudicados, como alguns segmentos de serviços, defendam a manutenção de uma tributação menor, ainda que isso seja socialmente injusto – pois ricos consomem proporcionalmente muito mais serviços do que pobres.

Também é natural que municípios que acham que serão prejudicados (na maior parte dos casos equivocadamente) sejam contra a unificação do ISS com o ICMS.

O problema é que o Simplifica Já é a pior forma possível de estes setores e municípios se protegerem dos efeitos da reforma. E isso por vários motivos.

Por um lado, a segmentação na tributação de mercadorias e serviços é um desastre para o crescimento do País. Na economia moderna, a produção e os investimentos são cada vez mais intensivos em serviços. Isso significa que a manutenção de um tributo cumulativo sobre serviços não apenas onera os investimentos e prejudica a competitividade da produção nacional, como tende a tornar o Brasil cada vez mais defasado em relação ao resto do mundo na incorporação de novas tecnologias. Não por acaso, o Brasil é o último país economicamente relevante do mundo que ainda tributa separadamente mercadorias e serviços.

Por outro lado, a proposta do Simplifica Já aumenta, e muito, a carga tributária. Isso se deve a três motivos. O primeiro é a redução das alíquotas interestaduais do ICMS prevista na proposta, cujo resultado é a cobrança no Estado de destino do imposto que hoje não é cobrado no Estado de origem, por causa de benefícios fiscais. O segundo motivo são o aumento da base de incidência e a mudança na forma de cobrança do ISS, que inevitavelmente resultarão em aumento de carga. O terceiro é a limitação do número de alíquotas do ICMS e o consequente reenquadramento nas novas alíquotas que, muito provavelmente, resultará em maior tributação. Ao contrário da reforma ampla, cuja transição foi desenhada para manter a carga tributária, a aprovação do Simplifica Já levaria a um aumento da carga tributária de um a dois pontos porcentuais do PIB.

Por fim, apesar do nome, o Simplifica Já resultaria num sistema muito mais complexo que o IBS cobrado com regras uniformes.

Caso o Simplifica Já fosse aprovado, o País inteiro pagaria uma conta extremamente pesada, na forma de menor crescimento e maior carga tributária. O pior é que o próprio setor de serviços seria prejudicado: de um lado, porque é o maior beneficiário do aumento do PIB e da renda das famílias; de outro, porque a não cumulatividade plena do IBS é muito melhor para os prestadores de serviços que estão no meio da cadeia que o ISS.

A demanda de alguns setores por menor tributação e de alguns municípios por maior participação na receita faz parte da política. O problema não está nessa demanda, mas sim na forma proposta para seu atendimento. Com o Simplifica Já, o custo para a sociedade tende a ser muito maior que o pretenso benefício para os municípios e setores que defendem a proposta.

O Estado de SP

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