Valor 1000: Reformas, inflação e política são as principais preocupações dos empresários

Reformas estruturais e equilíbrio das contas públicas são questões urgentes, mas à medida que o cenário político fica mais instável e marcado por desentendimentos entre os três poderes acabam ficando menos em evidência do que deveriam, apontaram executivos que participaram, na noite desta quarta-feira (29), da cerimônia on-line de entrega do prêmio “Valor 1000”.

Desde a fundação do jornal, o “Valor 1000” destaca as mil maiores empresas do país e premia as de melhor desempenho em seus setores no ano que passou. Na 21ª edição da premiação, líderes empresariais destacaram que 2020 exigiu criatividade e sangue frio na gestão dos negócios, em um ano em que a crise sanitária interrompeu produção, fechou lojas e impactou o consumo, assim como as decisões de investimento.

Agora, a retomada esbarra num cenário político-econômico conturbado. A inflação foi diversas vezes apontada pelos empresários como uma das maiores preocupações e entraves para o investimento.

“O arrefecimento da pandemia traz a expectativa de as pessoas voltarem a circular e o consumidor ser mais otimista. Mas preocupa perceber que entraremos em ano eleitoral com a inflação chegando forte e os juros altos. Isso inibe investimentos”, destacou o presidente da Alibem Alimentos, José Roberto Goulart. “Inflação incomoda a todos, principalmente os menos favorecidos”, afirmou o presidente da Telemont, Gilnei Machado.

O diretor comercial da Tambasa, Alberto Azevedo, disse que a empresa mantém otimismo com a vacinação. A presidente da AES Brasil, Clarissa Sadock, afirmou que grandes clientes da indústria têm buscado contratos mais longos, de até 20 anos. Este seria o momento ideal para avançar nas reformas estruturais e na agenda de concessões e privatizações, segundo o presidente da B3, Gilson Finkelsztain.

Mas, para muitos, o ambiente de negócios instável tende a afugentar o investidor. “Investimentos gostam de estabilidade”, afirmou o presidente da Copersucar, João Roberto Teixeira. Ao conjunto inflação, juros altos e crescimento econômico baixo “soma-se a crise energética”, disse o presidente da Cristália, Ricardo Pacheco.

Além disso, medidas necessárias para conter a inflação, alcançar uma taxa de câmbio mais estável e ter contas públicas sob controle dificilmente virão, segundo os executivos, em meio à turbulência política que se vê hoje. “É difícil ver o caminho para nossas empresas em virtude do cenário político”, afirmou o presidente da Inpasa, José Lopes.

A guerra entre poderes incomoda os empreendedores. “Adoraria que Executivo, Legislativo e Judiciário falassem a mesma linguagem”, disse o diretor do grupo Santa Joana, Antonio Amaro. A diretora comercial da Berneck, Graça Berneck, também defendeu “maior sintonia entre poderes para assegurar que o país seja o centro das atenções”.

“Meu conselho é que os políticos cheguem a um acordo, façam as pazes e elaborem leis que façam o povo brasileiro sair da miséria”, afirmou o presidente do conselho de administração da Cyrela, Elie Horn. “Fica aqui meu pedido de maior harmonia entre poderes”, acrescentou o presidente da Afya, Virgilio Gibbon.

Maurício Gardenal, gerente de propaganda da rede Lojas Cem, acrescenta, ainda, a insegurança jurídica: “Leis não deveriam ser reinterpretadas ao sabor do momento. É preciso apressar reformas que reduzam burocracia e simplifiquem as legislações tributária e trabalhista”. Silvério Baranzano, presidente da Évora, defendeu uma reforma administrativa “abrangente e completa”. E para o presidente da Lorenzetti, Eduardo Coli, a reforma tributária “daria previsibilidade ao ambiente de negócios”.

Para empresas com atividade fora do Brasil, como a WEG, o país precisa de mais foco na inovação. “Medidas que estimulem sustentabilidade, inovação e exportação deveriam ser o eixo do desenvolvimento da nossa economia”, destacou o presidente, Harry Schmelzer Jr. E as que mais sofrem com a concorrência externa, como o setor têxtil, a “eliminação de travas burocráticas” ajudaria a alcançar a competitividade necessária para a abertura comercial, segundo o presidente do grupo Dass, Vilson Hermes.

Se a agenda pública parece lenta, na gestão dos negócios muitos demonstram ter pressa em avançar. A Petrobras procura reduzir custos e investe em projetos voltados ao meio ambiente. “A melhor forma de prever o futuro é construindo”, destacou o presidente da companhia, Joaquim Silva e Luna. Gerardo Bartolomé, presidente da GDM Seeds, disse que a empresa tem aplicado recursos em pesquisa e na reconstrução de instalações enquanto a Globenet, provedora de telecomunicações aproveitou a crise para estender cabos submarinos até a Argentina, segundo o diretor de vendas, Carlos Agripino.

Pandemia trouxe mudanças e lições na rotina de trabalho

Os empreendedores também fazem planos para incorporar à rotina lições aprendidas na pandemia. A relação com os empregados aparece entre as mais significativas. Com a crise sanitária, surgiram duas realidades: os que podiam trabalhar remotamente e os que ocupam funções que exigem tarefas presenciais. “Foi como uma guerra. Não havia vacinas, não havia leitos em hospitais. A água era uma barreira de proteção da população”, disse o presidente da Aegea Saneameanto, Radamés Casseb. Trabalhar na rua ou dentro de uma fábrica em meio ao caos criou relações de confiança. “O trabalhador precisava sentir-se protegido”, disse Goulart, da Alibem.

Nas áreas administrativas, a novidade do “home office” se incorporou e o retorno ao trabalho tem sido no estilo híbrido na maioria das empresas. “As ferramentas digitais nos mostraram um equilíbrio maior entre a vida profissional e pessoal”, disse o vice-presidente da CBMM, Ricardo Lima. Na Baterias Moura, porém, a visão é diferente. Todos voltarão para dentro da empresa. “Concluímos que a Moura foi construída com o relacionamento das pessoas”, disse o presidente do conselho de administração, Sérgio Moura.

Lidar com a pandemia e seus impactos também levou a soluções criativas e de olhar para a comunidade. Na Ambev, um aplicativo para localizar as pessoas nas fábricas serviu para rastrear eventuais contaminados pela covid-19, conta o presidente da empresa, Jean Jereissati. Com a situação emergencial, a NTS doou R$ 6 milhões em equipamentos hospitalares no início da pandemia. Como a crise e o desemprego persistem, a empresa fez nova doação de R$ 6 milhões. Desta vez em cestas básicas.

Na pressa da volta à normalidade, a vacinação ganhou ainda mais importância. Na Telemont, quem tomou a primeira dose pôde se inscrever num sorteio de vale-compras. Para o diretor de finanças da Suzano, Marcelo Bacci, é papel social das empresas estimular os funcionários a se vacinar. “É uma questão que ultrapassa liberdades individuais.”

Valor Econômico

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