Repercussão do Copom: Alta de 1,5 ponto é vista como uma mensagem de que BC fará seu papel

O mercado começa a repercutir a divulgação pelo Comitê de Política Monetária (Copom) de um aumento de 1,5 ponto percentual na taxa básica de juro, a Selic, elevando-a para 7,75% ao ano, a partir de agora. Veja o que comentam analistas e economistas:

Tendências

Para o economista sênior da Tendências, Silvio Campos Neto, o destaque é que a autoridade não trabalha mais com um horizonte de convergência da inflação para a meta no próximo ano, mas até 2023, de 3,5%. “O BC coloca 2023 no radar e sinaliza que a convergência à meta vai se dar em um horizonte de dois anos.”

A casa ainda vai revisar suas estimativas futuras para a Selic, mas, segundo o especialista, “certamente vamos voltar para um cenário de dois dígitos”. Conforme Campos Neto, “algo entre 10,25% e 10,75% seria um expectativa inicial para esse patamar de chegada”.

Para o economista, a alta atual e a sinalização de uma nova elevação de mesma magnitude em dezembro já era esperada pelo mercado “desde que ocorreram os episódios da semana passada [de tentativa do governo de tirar parte das despesas do novo Auxílio Brasil do teto de gastos]”.

A manutenção desse ritmo de alta no início de 2022, no entanto, “depende da evolução do cenário, mas pode ser menos intensa”. A Tendências subiu a estimativa do IPCA para 2021 a 9,8%. Em 2022, a consultoria agora espera que o índice de inflação termine o ano em 4,6%, acima do centro da meta do BC. “No ano que vem, a estimativa já está perto do teto da meta e certamente o BC tem um cenário delicado para impedir o estouro por mais um ano consecutivo”, pondera.

No curto prazo, o economista explica que o mercado vai monitorar de perto o avanço da PEC dos Precatórios e as decisões com repercussões no campo fiscal, se o projeto for aprovado. “Pode haver uma nova rodada de deterioração de expectativas e precificação de mercado e dos ativos. Esse é o tema mais importante no momento e tende a ter definição nos próximos dias ou semanas.”

O economista, porém, acredita que o BC, apesar de ter um foco na inflação, “não vai deixar totalmente de avaliar os potenciais impactos [da alta de juros] na própria economia, o que pode ser um limitante para o tamanha desse ajuste”.

Quantitas

A avaliação do sócio e economista-chefe da Quantitas, Ivo Chermont, é de que o Copom, em seu comunicado sobre a decisão de hoje, não adotou nem tom “hawk” (inclinado à retirada de estímulos), nem “dove” (favorável à manutenção). Com isso, a autoridade monetária tenta trazer um pouco de sobriedade e racionalidade ao mercado após a mudança do regime fiscal, na semana passada.

O profissional nota que boa parte da confusão que se abateu sobre os mercados ocorreu justamente porque os eventos da semana passada ocorreram durante o período de silêncio do colegiado. “Então, eles decidiram ser o mais sóbrio possível. Deram 1,50 ponto e acenaram para mais 1,50 porque o risco aumentou, mas não quiseram parecer excessivamente histéricos, o que faria com que os mercados precificassem uma aceleração ainda maior da intensidade de altas”, diz Chermont.

O economista nota que 1,50 ponto é um ritmo bastante acelerado para qualquer país do mundo e que a mensagem para a classe política foi dada. Ao mesmo tempo, ele observa que, com o modelo fazendo os cálculos sobre a Selic extraída da Focus, atualmente em 9,75%, a inflação de 2022 está em 4,1% – ainda acima da meta de 3,50% -, mas a de 2023 está em 3,1%, abaixo da meta para aquele ano, de 3,25%.

“Ou seja: o comunicado não abandonou 2022, como o BC tem enfatizado. Será necessário ir um pouquinho a mais, o que é perfeitamente condizente com as projeções de Selic terminal por volta de 11% [a estimativa da Quantitas é de 11,25%], até porque existe o balanço de risco, que piorou um pouco e faz com que a chance da inflação piorar em 23 seja maior”, pondera.

BRA

João Beck, economista e sócio da BRA, escritório de assessoria de investimento credenciada da XP Investimentos, diz que “essa foi a reunião com maior dispersão de opiniões do mercado dos últimos anos”. Mas, continua, como a decisão da diretoria foi unânime, isso mostra comprometimento técnico e independência do Banco Central, que não se deixou influenciar pelo governo e seguiu a cartilha.

“Foi um comunicado ligeiramente mais objetivo que os anteriores e, no balanço de riscos, o Banco Central aponta exatamente a perda da âncora fiscal como motivo não só para uma elevação de 150 pontos acima da trajetória anterior de 100 pontos. Mas também sinaliza mais uma alta de mesma magnitude”, afirma. “No geral, comunicado firme, objetivo e passando a mensagem de que irresponsabilidade fiscal será remediado com mais juros”, completa.

Rico

Rachel de Sá, chefe de Economia da Rico, explica que a taxa básica de juros consolida sua posição em patamar contracionista – aquele que tem por objetivo desaquecer a atividade econômica para controlar a alta dos preços – , o que já era esperado pelo mercado. E, diz, o comunicado que a acompanhou trouxe poucas novidades e pode ser visto como relativamente neutro.

“Isso porque, diante da piora recente da inflação no Brasil e no mundo, e dos acontecimentos recentes no palco político – no caso, a proposta do governo de alteração da regra do teto de gastos, que aumentou a percepção de risco fiscal – alguns analistas esperavam um recado mais forte em relação ao controle inflacionário e os próximos passos do Copom”, explica Rachel.

O comunicado também chamou atenção para a piora da situação fiscal, mas ainda deixou a questão “em aberto”, sinalizando que as recentes discussões sobre mudanças nas regras fiscais aumentam o risco de desancoragem das expectativas de inflação. “Em bom português: para os diretores do Banco Central, o risco fiscal que chamavam atenção há bastante tempo ainda não se concretizou de fato, mas as discussões sobre mudanças nas regras fiscais afetam a perspectiva de agentes na economia sobre onde os preços estarão no futuro – impactando o esforço do controle de preços.”

A estimativa da corretora é uma Selic a 9,25% este ano e em 11,00% em março do ano que vem.

Ela lembra ainda que a alta de hoje só deve ser sentida no bolso dos consumidores em alguns meses, uma vez que os impactos do aumento de juros demoram um tempo para “chegarem” na economia real, especialmente via crédito mais caro. Além disso, o controle da inflação também não significa a queda dos preços; e sim, que estes passarão a subir mais gradativamente – o que esperamos que aconteça ao longo do ano que vem.

“Para o investidor, a renda fixa volta a ganhar bastante relevância e atratividade”, afirma. Rachel lembra que isso não quer dizer que outras classes de ativos deixaram de ter oportunidades, citando ações de empresas que se beneficiam historicamente de períodos de inflação alta, ou destaques em diferentes setores, com histórias de crescimento independentes de movimentos do ciclo macroeconômico.

Constância Investimentos

Para o economista da Constância Investimentos, Alexandre Lohmann, o BC foi cauteloso. “Se olhar a curva de juros do DI no início da semana, o mercado estava pedindo um aumento até maior de 1,75% ou de até 2%”.

Na visão de Lohman, a postura “cautelosa” se viu até mesmo no cenário projetado pelo Banco Central. “Estão prevendo uma inflação de 4,1% em 2022, uma alta importante em relação ao Copom anterior, quando a previsão dessa alta era de 3,7%. Mas o mercado já vê um cenário pior, com inflação acima de 4,4% [no ano que vem”, acrescentou, ressaltando que prevê, no fim do ciclo, que a Selic chegue a 11,50% em março de 2022.

RB Investimentos

Segundo Gustavo Cruz economista e estrategista da RB Investimentos a alta de 1,5% desagradou parte do mercado por entender que não foi uma alta suficiente para responder à deterioração fiscal que ocorreu recentemente e das pressões inflacionárias que têm se mostrado cada vez mais persistentes. “Amanhã vai ter uma reação um pouco negativa dessa parcela que esperava [alta de] 1,75% ou até mais”, disse.

H3 Invest

Já para Samuel Cunha, economista e sócio da H3 Invest, o BC conseguiu passar o recado. “O mercado esperava um aumento dessa magnitude. A própria curva estava direcionando um aumento desse tipo. Considerando a pressão da inflação, esse temor fiscal, era esperado realmente um aumento superior ao que a gente vinha tendo antes para passar a mensagem ao mercado de que isso está sendo monitorado”.

Haitong

“Não sabemos como a inflação corrente, que tem uma relação com as expectativas, vai se comportar na virada do ano. Também há a preocupação do BC com a atividade econômica exposta no comunicado, um ajuste realista em relação ao que estamos vendo nos últimos dados, e tem mesmo a indefinição sobre a questão fiscal, com a PEC dos Precatórios tramitando”, diz o economista-chefe para Brasil do Haitong, Marcos Ross. “Faz sentido o BC não acompanhar o ‘timing’ do mercado e adotar mais cautela com os movimentos de alta de juros.”

Ross ressalta, no entanto, que o ritmo de 1,5 ponto já é bastante agressivo e que deve perfazer um ciclo considerável de aperto, provavelmente acima de 10,5% e atingindo a casa dos 11%.

“Os agentes de mercado podem ter, na média, a sensação de que o BC não dá juro real para a economia, porque a inflação cresce bastante todo mês e o Copom não sobe juros tanto quanto a inflação. Mas a Selic já está em terreno contracionista e é um ritmo forte de alta em qualquer parte do mundo. Se tiver mais deterioração, ela será endereçada”, diz.

O economista também observa que o questionamento da política fiscal se convertendo em desancoragem das expectativas é a primeira consequência concreta determinada do Copom, que se absteve de considerações sobre efeitos da taxa de juros estrutural da economia no comunicado.

“O Copom retirou a menção à taxa estrutural porque, com o fiscal ainda em aberto, ele não tem como fazer qualificações muito maiores. Se lá na frente ele reativar o argumento da taxa estrutural e dizer que ela subiu diante do que ocorreu na política fiscal do país, ele poderá elevar os juros ainda mais”, emenda Ross.

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