OPINIÃO: Novo Refis à vista: mais do mesmo?

Inicialmente previsto para ser votado nesta semana na Câmara dos Deputados, o chamado “novo Refis” ficou para 2022. Ele ganhou este apelido por ter inaugurado uma série de programas especiais de parcelamento nas duas últimas décadas, contando com aproximadamente 40, somente no âmbito federal, conforme estudo elaborado pela Receita, cujos principais foram: Refis, PAES, PAEX, “Refis da crise”, PRT, PERT, entre outros.

Coube ao deputado André Fufuca (PP-MA) ofertar o relatório prévio ao PL 4728/2020, no qual é definido regras uniformes de adesão ao programa, com o objetivo de ampliar a possibilidade de acordos entre a Fazenda Pública e os contribuintes pessoas físicas e jurídicas, mas, diante das iniciativas conciliatórias já implementadas pelo Fisco, com ênfase para a transação tributária, em curso e vigente, cumpre um breve exame deste contexto inovador.

Não é incomum para o advogado, no ambiente jurídico, receber a velha pergunta: “Dr., quando vem um novo Refis?”. O vício cultural está impregnado. Não quero aqui ser contra os programas de parcelamento, ao contrário, são importantes e, em determinados momentos deram fôlego às empresas em momentos de crise. Não é diferente ao que estamos vivenciando, de momento, após os efeitos provocados pela pandemia e a consequente crise sanitária com graves impactos econômicos em diversos setores produtivos.

Poucos sabem, não por desídia ou inércia da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que sempre deu ampla divulgação, mas está em vigor o instrumento da transação tributária para os créditos inscritos em Dívida Ativa da União, capaz de promover a regularização do passivo fiscal em diversas situações, contando com diferentes modalidades e hipóteses verticais de solução. Entre elas a transação da Dívida Ativa do FGTS; transação do Funrural; as transações excepcional e extraordinária; aquela referente à dívida ativa de pequeno valor; o programa emergencial de retomada do setor de eventos (Perse); repactuação da transação em vigor; e por proposta individual, da Fazenda Nacional ou do próprio contribuinte.

Por um lado, a aprovação do novo “Refis da Covid” atrairia de forma provocativa mais um impulso e incentivo à PGFN por ampliar e sofisticar os mecanismos de transação. Por outro, mesmo com o cenário em vigor, a vinda do novo programa não afastará as condições vantajosas da transação tributária para que o contribuinte venha a valer-se dela, quando necessário, embora, de momento, boa parte das modalidades indicadas tem prazo de validade até final do ano de 2021.

Um evidente exemplo deste contexto, sobretudo de atratividade da dinâmica das transações tributárias, é a possibilidade prevista no inciso VI, art. 8º da Portaria PGFN 9.917/2020, que prevê, a exclusivo critério da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a possibilidade de serem utilizados precatórios federais próprios ou de terceiros para amortização ou liquidação de saldo devedor transacionado.

A título comparativo, aqui mencionamos a possibilidade de parcelamento da reabertura do PERT prevista no último parecer preliminar às Emendas de Plenário ofertado no PL 4.728/2021: a entrada é fixada em 10% do total da dívida em até 10 prestações mensais, e o restante parcelado em até 144 parcelas mensais e sucessivas, com redução de 70% dos juros e das multas de mora, de ofício ou isoladas e 100% dos encargos legais, inclusive honorários.

Enquanto a transação tributária, na modalidade individual, permite a redução de até 50%, ou em certos casos em até 70%, do valor total dos débitos a serem transacionados e viabiliza o pagamento dos débitos em até 84 meses, ou mais ainda em 145 meses, com redução dos consectários legais, referente a juros, multas e encargos, no máximo de até 100%, a depender do rating e classificação da dívida transacionável. Como visto, a vantagem do novo PERT não está nos descontos, mas no alongamento do prazo. Ao contrário do juízo prévio, e da falsa percepção de muitos, a “espera” do novo Refis pode não revelar a melhor opção. É preciso fazer um exame cuidadoso.

De forma muito simplista, porque outras variantes devem entrar em jogo, seguem duas simulações objetivas a demonstrar a assertiva acima.

Considerado um débito inscrito em Dívida Ativa no valor de R$ 20 milhões, e com vistas a simplificar a metodologia adotada, desconsiderou-se a entrada fixa de 10% em até 10 prestações mensais das duas condições usadas como exemplo do PERT, o que já inviabilizaria a adesão de muitos:

BASE10 milhões (P) + 8 milhões (J) + 2 milhões (M)
PERTTransação individual
Condição*P – 10 milhõesJ – 2,4 milhõesM – 0,6 milhão   Valor total =
13 milhões
 P – 10 milhõesJ – 0M – 0 *20 Milhões x 50% do VT Valor total =
10 milhões 
*Condição estabelecida da transação individual
Legendas: (P) – Valor Principal; (J) – Juros; (M) – Multas; VT – Valor total dos débitos a serem transacionados

*O restante parcelado em até 144 parcelas mensais e sucessivas, com redução de 70% dos juros de mora das multas de mora, de ofício ou isoladas

**A redução de até 50% do valor total dos débitos a serem transacionados e viabiliza o pagamento dos débitos em até 84 meses

Da análise simplificada, podemos concluir que a transação individual pode ofertar condições mais favoráveis às empresas se comparada ao novo PERT. E a principal vantagem da transação, ao contrário de parcelamentos especiais, é a possibilidade de modelar o fluxo de pagamento, com entradas, ou sem, com valores menores nos primeiros anos, trazendo uma estrutura vertical e particular para cada caso objeto de negociação, de acordo com a capacidade econômico-financeira do contribuinte.

O exame puramente nominal do “novo PERT”, sob o viés de descontos e prazos, pode aparentar ser mais benéfico, e talvez encubra as vantagens em vigor do atual modelo da transação tributária já disposto aos contribuintes, especialmente para aqueles com débitos acima de R$ 15 milhões, mas desde que já estejam inscritos em Dívida Ativa da União, e, ainda mais, sem gerar o sentimento de perdão da dívida por meio de permanentes programas especiais de parcelamento, que, durante décadas, mantiveram o contribuinte passivo, à espera da complacência do Poder Público.

JOTA, por EDUARDO MUNIZ MACHADO CAVALCANTI, procurador do Distrito Federal, advogado e mestre em Direito Público com ênfase em Direito Tributário pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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