Investimentos previstos com novo marco regulatório terão impacto expressivo na construção civil e geração de empregos

Quase dois anos depois de aprovado o marco legal do saneamento, que prevê a universalização dos serviços de água potável e coleta e tratamento de esgoto no país até 2033, leilões já realizados nesse período e os que estão em andamento garantiram a Estados e municípios R$ 47,1 bilhões em investimentos em obras de infraestrutura para os próximos 30 a 35 anos, além de R$ 29,5 bilhões em outorgas. Com isso, os desembolsos para o plano que prevê tirar o setor da categoria de infraestrutura mais negligenciada das últimas décadas somam até agora R$ 76,6 bilhões.

Entretanto, esses recursos programados e comprometidos parecem estar aquém das exigências do setor. Estudos recentes apontam que a universalização demandará cerca de R$ 753 bilhões até 2033, dos quais R$ 498 bilhões para a expansão de projetos de infraestrutura e outros R$ 255 bilhões para a recomposição da depreciação de ativos já existentes. Ou seja, se a meta é fazer com que nesse período de 13 anos (desde a aprovação do marco legal) 99% da população brasileira tenha acesso a água potável e 90% a tratamento e coleta de esgoto, seriam necessários pelo menos R$ 62 bilhões em média por ano.

O setor público tem sido incapaz de realizar os aportes necessários para saneamento e água potável. Na última década, a média de investimento federal, estadual e municipal não passou de R$ 13 bilhões. Representantes e especialistas do setor reconhecem que os valores para universalizar esses serviços são significativamente altos, mas acreditam que aportes nacionais e internacionais, sejam eles públicos ou privados, podem dar conta das necessidades do país.

“É possível reverter essa situação através da mobilização do setor privado, público e da sociedade civil, uma vez que existem instrumentos financeiros e avanços na regulação e na legislação do setor”, afirma Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados. Ele lembra que até antes do marco legal entrar em vigor persistiam lacunas para a universalização, entre elas a necessidade de regulação mais clara e de soluções para a reserva de mercado das empresas estatais, além de segurança jurídica. “O novo marco legal surge nesse contexto para propor avanços nestas lacunas.”

A Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon) mostra num estudo concluído ao final de 2020 que o impacto dos investimentos previstos para a universalização será de R$ 1,4 trilhão na economia do país, dando impulso significativo à construção civil e à geração de empregos. Isso não apenas pelo peso do segmento no PIB (0,58%), mas por sua capilaridade na cadeia produtiva, com potencial multiplicador na atividade econômica que beneficiará diretamente a população.

Percy Soares Neto, diretor executivo da Abcon Sindcon, estima que pelo menos 14 milhões de empregos diretos e indiretos serão gerados ao longo do período desses investimentos. Projeta ainda que aproximadamente 7,6 milhões de vagas devem ser abertas apenas no setor industrial, além de outras 5,7 milhões no setor de serviços. De acordo com a entidade, o impacto maior será na construção civil, na indústria de máquinas e equipamentos e na indústria química, que vão precisar atender demandas nunca antes vistas no setor.

Soares Neto informa também que todas as holdings que fazem parte da entidade são potenciais candidatas a participarem dos leilões, e já têm demonstrado apetite por esse mercado. De acordo com ele, existem ainda fundos de investimento e outros players que vêm observando atentamente o setor. “É provável, portanto, que novas empresas ingressem no mercado a partir dos novos leilões”, diz. Para ele, o pipeline de investimentos no saneamento continua robusto, mas este ano será atípico, em função das eleições.

A GO Associados, que acompanha de perto toda essa movimentação, acredita que as maiores concessionárias do setor privado têm presença mais que garantida nos leilões, entre elas a Aegea, BRK Ambiental, Águas do Brasil, Iguá Saneamento, GS Inima Brasil e Telar Engenharia. “Além destas, outras também já mostraram interesse, como a Allonda Ambiental e Aviva Ambiental, vencedores do leilão em Alagoas”, explica o consultor. Tanto o levantamento da GO Associados como o da Abcon Sindcon apontam que pelo menos 23 licitações devem ocorrer no país até o próximo ano, sendo que 11 delas em municípios com população inferior a 50 mil habitantes.

Essa segunda leva de concessões deve atrair investimentos entre R$ 14,5 bilhões e R$ 17,7 bilhões nos próximos 30 a 35 anos de contratos. “Contudo, por estarem em fases de estudo ainda não possuem um valor definido de outorga”, explica Oliveira, da GO Associados. Para ele, o impacto desses contratos no sistema nacional de saneamento deve beneficiar pelo menos 4,7 milhões de habitantes, que terão acesso a água potável e esgoto tratado.

Assim, a expectativa é que até 31 de dezembro de 2033 boa parte do problema de atendimento precário nos serviços públicos de água, esgoto e resíduos sólidos nas cidades brasileiras do país fique resolvida e, para 2040, seja possível cumprir com as metas estabelecidas no marco legal, o que permitiria fazer em 20 anos o que não foi feito nos últimos 50.

Entretanto, até agora 35 milhões de brasileiros ainda não têm acesso a água tratada e mais de 100 milhões não contam com coleta de esgoto. Em São Paulo, o abastecimento de água alcança 96% da população, mas o tratamento do esgoto em relação à água consumida é de apenas 69%, segundo os dados da Abcon Sindcon.

“É inaceitável que em pleno século XXI tenhamos 35 milhões de brasileiros sem acesso a água e outros 100 milhões sem acesso a coleta e tratamento de esgoto”, critica Luana Siewert Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil. Ela afirma que os inúmeros problemas associados à falta de saneamento básico impactam na saúde, na qualidade de vida e na produtividade das pessoas. “O Brasil precisa evoluir. São inúmeras as pessoas impactadas pela falta deste serviço. Ficam doentes, perdem produtividade no trabalho e no estudo e se tornam menos competitivas por não possuírem este serviço tão essencial para as atividades do dia a dia”, diz Pretto.

Ela afirma que o novo marco legal do saneamento estabeleceu metas que precisam ser cumpridas até 2033 e são essenciais para a mudança da realidade brasileira. “Sem metas claras e objetivas estabelecidas em contrato não seria possível mudar a realidade. Este é o grande avanço do novo marco regulatório”, afirma Pretto.

Valor Econômico

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