Em Santa Teresa, buracos são tapados com ‘fakelelepípedos’

Numa área com tantos ateliês, foi a prefeitura que resolveu fazer “arte” nas ruas de Santa Teresa. Em vez de repor os paralelepípedos que cercam os trilhos do bondinho e que se soltam com facilidade, ela decidiu recorrer a uma solução para lá de inusitada. Tapou os buracos no calçamento com concreto, e moldou o material em formato retangular, com direito até a relevo, para simular o piso original. Os “fakelelepípedos”, instalados em pelo menos duas ruas do bairro, não agradaram, é claro. E pior: descaracterizaram o sistema de transporte do bondinho, tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac).

O improviso não foi nem escamoteado: pode ser visto logo na principal rua do bairro, a Almirante Alexandrino, na altura do número 1.191. O remendo também chama a atenção na esquina das ruas Francisco Muratori e Joaquim Murtinho, para desespero do arquiteto e presidente de Associação de Moradores de Santa Teresa, Paulo Sales.

— Essa obra tem que ser feita de uma forma profissional. Isso que fizeram é um absurdo. Agora, eles precisam retirar o concreto e colocar o paralelepípedo no lugar — reclama Sales, um ferrenho defensor do piso original, que, segundo ele, além de ajudar a reduzir a velocidade dos veículos que transitam pelas ladeiras do bairro, facilita o escoamento da água durante temporais. —Eles duram para sempre e são econômicos.

Segundo Sales, os problemas nos paralelepípedos tiveram início após as intervenções contratadas pela Secretaria estadual de Transporte para reativar o velho bondinho. Para piorar a situação, diz, caminhões pesados e ônibus grandes continuam rodando pelo bairro, apesar de proibidos, prejudicando ainda mais o pavimento.

Morador da Rua Almirante Alexandrino, quase em frente a um trecho de paralelepípedos fakes, Clóvis dos Santos desconfia que o improviso da Secretaria de Conservação aconteceu por falta de material adequado.

— Santa Teresa está toda esburacada. A gente ligava para a prefeitura, e eles alegavam que não tinham material. Depois de muita reclamação na administração regional, eles tamparam dessa forma para que os paralelepípedos não se soltassem mais.

MENOS ACIDENTES

De acordo com o morador, antes da intervenção, os acidentes eram frequentes na área. Clóvis conta ter testemunhado, nos últimos três meses, uma colisão entre um ônibus e um carro, além de diversas quedas de motociclistas, derrubados pelo piso solto.

O administrador regional de Santa Teresa, Cristiano Oliveira, justifica a solução inusitada como uma medida emergencial.

— Mediante a falta do contrato na prefeitura para a conservação, começaram a surgir esses buracos nos paralelepípedos. A gente solicitava o serviço, mas tinha dificuldade. Só que precisávamos tapar o buraco, tirando o risco de acidentes — disse Oliveira.

A solução, no entanto, está na mira do Inepac. O órgão informou ontem, em nota, que os bondes do bairro são bens culturais tombados desde 1988 e que, se forem constatados danos aos paralelepípedos por meio de concretagem, o instituto “irá notificar os responsáveis pela obra indevida, para que seja feito o restauro de forma adequada”.

A Secretaria municipal de Conservação, por sua vez, também classifica a construção do piso em concreto, simulando paralelepípedos, como uma solução temporária e emergencial para não parar o sistema de bondes. De acordo com o órgão, o trecho na Rua Almirante Alexandrino que recebeu a intervenção “é uma curva em declive e, devido ao maior atrito, apresenta abaixo uma laje de concreto para reforço dos trilhos”, informou o órgão em nota, acrescentando que esse reforço não permite hoje o correto assentamento do piso. Por isso, afirma a secretaria, técnicos estariam realizando sondagens e topografia no terreno para que o projeto com a solução definitiva para esse ponto do bairro seja implantado, “provavelmente restabelecendo os paralelos após o nivelamento”.

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