O que 2020 ensinou sobre diversidade às empresas

2020 foi o ano em que o racismo foi escancarado e pautou os noticiários, as conversas nas redes sociais e em toda a sociedade. Enquanto nos EUA o movimento Black Lives Matter influenciou até as eleições, no Brasil, foi o mundo corporativo que teve suas estruturas abaladas pela exposição de casos de preconceito.

As cenas brutais da morte de um homem negro após ser espancado por seguranças do Carrefour em novembro causaram choque e indignação e fizeram com que as pessoas cobrassem mais do que apenas posicionamentos e, sim, ações concretas antirracismo. O CEO precisou se explicar e a empresa anunciou um fundo de R$ 25 milhões para promover inclusão e combater o racismo. 

Neste sentido, um exemplo positivo do ano foi o do Magazine Luiza, que lançou um programa de trainee só para negros para corrigir disparidades entre suas lideranças. Apesar de ter gerado certa polêmica, a iniciativa pegou bem no mercado, e as ações da empresa tiveram alta depois dessa notícia. A gigante química e farmacêutica Bayer foi pelo mesmo caminho e anunciou um programa com o mesmo objetivo.

Crise levou à reflexão

Para Rosana Schwartz, professora de sociologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o contexto de pandemia intensificou o debate sobre diversidade. “Toda essa crise de saúde, social, econômica, política e cultural fez com que as pessoas começassem a repensar sua forma de estar e viver no mundo. Elas estão mais sensíveis, e certos comportamentos de discriminação e violência não são mais tolerados. As tensões criam reflexões, que levam a movimento e transformações”, afirma. 

Além de atender à demanda da sociedade, principalmente a de uma nova geração de consumidores mais engajada nas causas sociais e ambientais, as empresas que promovem a diversidade têm outras vantagens competitivas, segundo Alexandre Slivnik, diretor-executivo da Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD), que estuda de perto empresas inovadoras do Vale do Silício, na Califórnia (EUA).

“O que faz com que empresas como Tesla e Netflix cresçam tão rápido e se tornem tão valiosas em pouco tempo? É a diversidade. A diversidade é o motor da inovação. Elon Musk, por exemplo, é um empreendedor sul-africano nos EUA. Se os EUA não estivessem abertos aos imigrantes, não teriam registrado a primeira viagem de uma empresa privada ao espaço”, diz, referindo-se à Space X. Além da Space X, Musk é CEO da Tesla, de veículos elétricos, que em 2020 ultrapassou a Toyota como montadora mais valiosa do mundo.

Confira as principais lições que 2020 ensinou sobre diversidade às empresas:

1.Preconceitos não serão tolerados 

Além dos já citados casos do Carrefour e do Magalu, outras situações ao longo do ano demonstraram que preconceitos não passarão batidos daqui para frente. Uma delas foi uma entrevista da sócia do Nubank com declarações interpretadas como racistas, que fez com que a fintech anunciasse investimentos em programas de diversidade. 

Tuítes considerados transfóbicos da britânica J.K.Rowling, autora de Harry Potter, também repercutiram mal, e a falta de posicionamento da agência literária da qual ela faz parte provocou a debandada de autores LGBT+. 

2.Consumidores e investidores valorizam empresas comprometidas

Enquanto algumas empresas perderam talentos, outras lucraram com a inclusão. É o caso da Natura, que viu suas ações subirem após a campanha publicitária de dia dos pais que contou com um homem transexual. 

A legislação também avançou neste aspecto, com a definição da Suprema Corte dos EUA de que pessoas LGBT+ não podem ser discriminadas no trabalho e a aprovação de uma lei na Califórnia que exige mais diversidade nos conselhos de administração das empresas. 

“Os consumidores estão mais atentos a essas questões, estão consumindo mais de marcas responsáveis e cobrando ações para corrigir desigualdades. E não só eles: os investidores também estão colocando mais dinheiro em empresas socialmente e ambientalmente responsáveis”, diz Slivnik, da ABTD.

3.Abusos serão denunciados

As denúncias de assédio sexual contra Marcius Melhem e a forma com que a Globo lidou com elas evidenciaram a vulnerabilidade e o descrédito que as mulheres ainda enfrentam no ambiente de trabalho. Mas, cada vez mais, as vítimas têm tido coragem e voz para denunciar. E as redes sociais têm um papel importante, segundo a professora de sociologia do Mackenzie. 

“As redes sociais nunca foram tão usadas, até por causa do isolamento social imposto, e são um importante espaço para debate. Vemos a constituição de movimentos sociais fortes, ainda pequenos e fragmentados, mas fortes, que se organizam em torno de suas causas e ajudam a formar uma rede de apoio às vítimas. É por isso que as denúncias não vão parar, e que bom que a cada dia há mais condições para que elas sejam feitas”, diz Rosana. 

4.É preciso oferecer condições mais igualitárias de trabalho 

Outro acontecimento que marcou a vida corporativa em 2020 foi o home office. O trabalho remoto tende a favorecer a diversidade nas empresas, à medida em que dá mais autonomia aos profissionais e possibilita a contratação de pessoas em qualquer parte do mundo, trazendo visões diferentes para o negócio. 

Mas, no home office da pandemia, teve quem produzisse muito mais no conforto do lar, sem distrações com os colegas no escritório e sem perda de tempo com deslocamentos, e também teve quem sofreu, seja por falta de espaço, de estrutura (como mobiliário e internet) ou de tranquilidade, por estar com a família toda dentro de casa. 

Em muitos casos, essas desigualdades ficaram visíveis para os chefes e colegas durante as videoconferências e afetaram a produtividade, obrigando as empresas a agir sobre elas, oferecendo, por exemplo, vale-compras para os funcionários adquirirem móveis e pagarem a internet. 

Alguns grupos, porém, foram ainda mais impactados pelas condições do home office na pandemia, como as mulheres, que frequentemente são as responsáveis pelos cuidados domésticos e com os filhos e acabam sobrecarregadas com o acúmulo de funções. Uma diretora do Facebook fez o alerta em maio e convocou os chefes a ajudarem.

Areta Barros, sócia e diretora da Hub On Demand, consultoria de recrutamento e seleção, diz que a pandemia trouxe retrocesso para as mulheres no mercado de trabalho. “Há, por parte das empresas, um movimento forte de buscar mulheres para cargos mais altos, mas houve uma baixa no número de mulheres no mercado de trabalho por causa da pandemia, o que deve se refletir pelos próximos anos”, avalia. 

Essa busca das empresas por mulheres para postos de liderança vem para tentar corrigir as desigualdades, como o fato de as mulheres ocuparem apenas 11% dos assentos dos conselhos das empresas novatas da bolsa e de ganharem 47% menos entre os profissionais com MBA. 

Por outro lado, também houve avanços neste quesito, como a chegada da primeira mulher ao comando de uma siderúrgica, a Gerdau. 

“2020 foi um divisor de águas na questão da diversidade, porque as empresas viram que um ambiente diverso é benéfico para os negócios e para a sociedade. Era um movimento que já existia, mas que foi acentuado em virtude de tudo o que vivemos com a pandemia. É hora de assumir os erros e corrigir os problemas. Quem não se adaptar vai ficar para trás”, conclui Slivnik, diretor da ABTD. 

CNN Brasil

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