Com salto no IGP-M, que reajusta os aluguéis, negociar é essencial

A alta do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) está dando dor de cabeça para muitos inquilinos e proprietários, pois serve como referência do mercado para a correção de contratos de aluguéis. No ano, a alta foi de 23,14%, o maior avanço desde 2002 — quando fechou em 25,31% — e bem acima de outras métricas inflacionárias, como o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que em novembro registrou 4,31% no acumulado de 12 meses.

Para especialistas e profissionais do mercado imobiliário, a recomendação, tanto para inquilinos como proprietários, é negociar. Seguir a letra fria dos contratos, reajustando os valores em quase um quarto, está fora da realidade orçamentária de muitas famílias, ainda mais num ano marcado pela recessão provocada pela pandemia.

— Todo índice pode ter algum tipo de distorção, e se for aplicado a ferro e fogo pode gerar atritos na relação — diz Claudio Hermolin, CEO da Brasil Brokers e presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ). — Num ano em que a pandemia tirou o emprego de muita gente, com inflação na casa dos 4%, aplicar 23% numa renovação de contrato é praticamente pedir para o inquilino sair.

Foi o que aconteceu com o publicitário Bruno Pinaud. Ele morava num apartamento em Botafogo há um ano e, no fim de novembro, recebeu uma carta da imobiliária informando reajuste de 21,3%. Sua esposa, então grávida de oito meses, tentou abrir o diálogo com uma carta, e a resposta veio com o valor da multa de rescisão.

— A gente tinha duas opções: ficar onde a gente adorava, mas com um peso adicional considerável no orçamento, ou procurava o que dava para alugar com a grana que a gente pagava — conta Pinaud. — Saímos de Botafogo e estamos em uma cobertura duplex em Ipanema.

Segundo Solange Portela de Andrade, diretora da JB Andrade Imóveis, casos como o do publicitário não são a regra. Com o IGP-M nas alturas, e a crise provocada pelo coronavírus, os proprietários estão mais abertos e solidários aos pedidos dos locatários.

— Vale lembrar que imóvel vazio é sinônimo de despesa para o proprietário. Por isso, é importante encontrar uma solução que seja boa para todos — recomenda Solange.

Proprietário de dez imóveis alugados, o administrador Marcelo Marins se antecipou aos pedidos de negociação e aplicou, de forma espontânea, um desconto de 20% no valor dos aluguéis de maio deste ano até março de 2021. E não pretende reajustar os contratos nas renovações.

— O meu receio era que os inquilinos nem tentassem uma negociação e saíssem para morar em outros imóveis mais baratos. Além de não receber, eu teria que arcar com as despesas dos condomínios — analisa Marins. — No meu imóvel do Flamengo, por exemplo, eu cobrava R$ 1.300 e passei a cobrar R$ 1.040. Essa redução já ajuda a pessoa a quitar outras despesas nesse momento.

Do lado dos locatários, negociar um valor razoável para o aluguel evita a dor de cabeça, e os custos, de uma mudança. Foi esse o caminho escolhido por Ruben Fernandez, morador do Jardim Oceânico.

Dono de uma cafeteria em um shopping, teve que manter as portas fechadas por meses por causa da pandemia e, mesmo antes da disparada do IGP-M, procurou a corretora para negociar o valor do aluguel.

— Para evitar ter que procurar um outro lugar para morar, preferi negociar — conta o empresário, que conseguiu desconto de R$ 1 mil, válido por um ano. Em abril de 2021, o valor do aluguel volta ao que era antes, com reajuste de 5%, bem abaixo do IGP-M.

A explicação para o descolamento do IGP-M está na forma como é calculado, explica o economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio. Ele é composto por três indicadores, sendo que o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) o de maior peso.

Ele registra variações de preços de commodities, como soja, milho e minério de ferro, que aumentaram muito no ano por causa da alta demanda da China.

— Soma-se a isso a desvalorização cambial provocada por problemas internos e temos uma tempestade perfeita — afirma Cunha, ressaltando que o IGP-M não é mais um indexador relevante na economia brasileira, resistindo apenas nos contratos de aluguéis. — Essa distorção está fazendo com que novos contratos o substituam por outros índices.

Foi esse o caminho encontrado pelo QuintoAndar, que desde novembro adota o IPCA como referência em todos os novos contratos. José Osse, diretor de comunicação da imobiliária digital, conta que outra solução adotada pela empresa foi criar um canal direto de negociação entre as partes.

— Vemos uma grande disposição dos proprietários em negociar, sempre que é viável para eles — diz Osse. — Nós criamos um canal direto para facilitar a negociação de reajustes e, desde abril, mais de 6,5 mil proprietários aceitaram aplicar correções menores.

Para 2021, a expectativa é que o índice continue elevado, pois a pressão da demanda chinesa deve se manter e o dólar deve continuar alto. Porém, há um viés de desaceleração. Em dezembro, o IGP-M avançou 0,96% ante o mês anterior. Em novembro, a taxa ficou em 3,28%.

— Em maio, o IGP-M estava em 6,51%, o que é um índice bem razoável. Com os efeitos da pandemia se estabilizando, ele deve retornar a patamares mais baixos. Acredito que o pico já passou — avalia Alynthor Lourenço, diretor-geral da imobiliária Julio Bogoricin. — O mercado imobiliário espera pelo retorno a níveis mais baixos, já que a alta gera atritos entre proprietários e locatários, o que não é bom para ninguém.

O GLobo

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