‘A tokenização de imóveis precisa ter segurança’

Desenvolver soluções no blockchain que deem maior agilidade e segurança a processos burocráticos é o que move a Growth Tech, startup de tecnologia com sede no Rio, criada em 2016 por Hugo Pierre — um brasiliense expert em gestão de tecnologia comercial, pós-graduado em Big Data e Data Science. Incomodado com o vai e vem de pessoas e papéis com o qual se deparou durante a execução de um projeto para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, perguntou-se à época: “Será que não existe uma tecnologia para acabar com isso?”.

Começou, então, a atender cartórios com uma rede virtual para melhorar a experiência do usuário. Consequência natural, o mercado imobiliário surgiu como oportunidade e o ajudou a descolar-se do universo cartorário. Em 2019, mergulhou fundo no setor de imóveis e chegou à tokenização dos ativos, criando uma plataforma que emite e gerencia “contratos inteligentes” no ambiente digital. O próximo passo é garantir a segurança desses acordos via token, inserindo inteligência artificial e mineração de dados ao ecossistema para encontrar, validar e certificar todas as informações inerentes ao ativo.

Na entrevista a seguir, Pierre comenta o atual momento do mercado imobiliário, o papel da tecnologia no processo de desburocratização do setor e explica como tokens seguros podem atrair mais investimentos estrangeiros para o setor no Brasil.

Como você avalia o impacto da tecnologia na gestão de contratos imobiliários?

Hugo Pierre — O mercado imobiliário ainda é extremamente analógico. Nas incorporadoras, 70% a 80% dos processos são manuais e burocratizados. E essa conta começa a não fazer sentido quando se trata de ativos tão caros, geridos de forma manual em uma sociedade hiperconectada.

Quais as vantagens da tokenização de imóveis?

Token é uma palavra que ainda causa muito estranhamento em quem não tem afinidade com tecnologia. É um contrato digital, emitido pelo blockchain e que representa algum ativo. A tokenização é um processo de virtualização desses contratos e ativos, celebrando os acordos do negócio entre as partes no ambiente digital. As vantagens são: a formalização eletrônica; a escalabilidade global que a tecnologia tem; as novas modalidades de negócio geradas pela tokenização; a maior liquidez dos ativos; e a segurança que o blockchain aparenta ter até aqui — os registros são imutáveis e estarão ali eternamente.

Como os chamados “smart contracts” podem beneficiar o mercado?

Primeiro, a redução de custos utilizados no gerenciamento dos contratos. São acordos de longo prazo, geralmente, e exigem recursos humanos e financeiros. Em razão disso, muitos negócios tornam-se inviáveis no ambiente analógico por conta da burocracia envolvida. Em segundo, a eliminação da subjetividade das interpretações do que está contemplado no contrato. Quando as regras são definidas em smart contractse autoexecutadas de acordo com determinados eventos, tudo acontece conforme previsto. Não há margem para subjetividades e interpretações das partes envolvidas.

Contratos tokenizados podem sofrer ameaças? Há riscos para o investidor?

No que tange à segurança, a maior preocupação deve ser analisar a origem do token que representa o contrato: ter total conhecimento e validação sobre os dados e informações que envolvem aquele ativo. É importante estar atento ao processo de originação, estruturação e emissão do token antes de tomar a decisão de formalizar o negócio. O mercado imobiliário, de uma maneira geral, tem olhado mais para o fim do processo, que é o token de fato, e menos para o meio do processo. A tokenização de imóveis precisa ter a segurança garantida.

Como fazer para mitigar a insegurança dos contratos imobiliários no blockchain?

Criar um padrão de dados e informações para que, via tecnologias sofisticadas como mineração de dados, big data, inteligência artificial e data science, consigamos reunir em um tempo e custo menores e com segurança maior toda a validação da cadeia de informações, que precisam ser acreditadas para que os tokens sejam originados. A ideia é acoplar ao ecossistema de tokenização as tecnologias que tenham a capacidade de acreditar, validar e certificar os dados que vão originar e estruturar esses contratos digitais.

Na prática, isso funcionaria como?

É como se fosse um processo de diligência automatizada, em que todo o processo que origina o token aconteça eletronicamente. Hoje, no mundo físico, dependendo do tipo de negócio, para que as partes tenham um mínimo de garantia daquilo que está envolvido, são expedidos certidões, documentos e alvarás — muitas vezes, levados por despachantes ou prestadores de serviços. Veja quantos intermediadores e papéis existem nessa operação! Isso eleva o grau de risco. Para nós, todo esse processo de verificação de segurança do ativo deve ser feito de forma automatizada, com tecnologias sofisticadas, gerando um padrão que possa ser adotado como regra em todas as operações de tokenização. Dessa forma, é possível evitar, por exemplo, que um imóvel tokenizado seja adquirido sem parte de sua documentação validada, impedindo seu uso ou comercialização.

É um mecanismo que ajudaria a proteger o investidor estrangeiro?

Exato. Os investidores internacionais veem muita oportunidade no mercado imobiliário brasileiro, mas tudo é muito burocratizado ainda, o que torna o ativo caro. A burocracia não é de todo ruim, porque nos protege de certa forma, mas precisa ser dosada de acordo com o deal, para não inviabilizar o negócio. Conversei com dois investidores que tiveram experiências não muito felizes. Um deles contratou um despachante que cobrou caro, demorou a fazer o serviço e entregou documentos falsos. Em outro caso, o empreendimento foi entregue, mas não pôde ser usado porque faltava a expedição do habite-se. Ou seja, pode haver uma insegurança jurídica muito forte nas negociações realizadas à distância.

Valor Econômico

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