Quase todos setores vão lucrar com reforma tributária, aponta estudo

O projeto de reforma tributária defendido pelo governo, que pretende reduzir ao máximo possível o número de alíquotas dos impostos sobre o consumo e acabar de vez com a cumulatividade dos impostos, poderia gerar ganho final de 7,84% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e elevar lucro de quase todos os setores da economia, segundo estudo publicado recentemente por quatro economistas brasileiros.

Partindo do pressuposto de que a mudança é neutra do ponto de vista da arrecadação do governo, eles estimam que, em um universo de 66 setores da economia, 21 acabariam pagando mais impostos que hoje — a maioria do segmento de serviços. Destes, no entanto, em apenas 11 a produção cairia e em somente três isso também resultaria em queda dos lucros.

Os demais veriam uma alta dos lucros, que chega a ser superior a 36% no exercício. Em 33 deles, a alta do lucro ultrapassa 10% e, em 14, fica acima dos 15%.

Segundo Pedro Cavalcanti Ferreira, da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e colunista do Valor, o estudo é inédito no mundo ao usar um arcabouço econômico relativamente recente para simular qual seria o efeito de uma mudança muito parecida, na concepção, com a que vem sendo pregada pela equipe liderada pelo secretário especial da Reforma Tributária, Bernard Appy.

“Se por acaso a tributação de um setor cai, existe primeiro o efeito direto sobre ele, mas também os indiretos, já que ele é insumo de outros setores e também demanda produtos de seus fornecedores dele. A partir dessa mudança que é trocar todas essas alíquotas diferentes por uma única, o modelo faz esse cálculo conjunto dos novos preços relativos e estrutura de custos para todos os setores”, diz Cavalcanti, que assina o artigo com Bruno Delalibera e Johann Soares, ambos ligados à EPGE, e Diego Gomes, economista do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Uma das características do modelo, alimentado com dados da matriz insumo-produto do IBGE para 2015, é justamente encontrar um equilíbrio geral a partir da interconexão entre os setores. Nesse ponto, aparece uma divergência importante: a alíquota do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) que é neutra do ponto de visa da arrecadação, segundo esse exercício, ficou em 6,96%, bem abaixo dos 25% propostos pelo governo federal.

“O Appy não ficou muito contente quando a gente mostrou para ele”, admite Ferreira. “O nosso número saiu de uma calibração cuidadosa de que usa melhores dados disponíveis a nível setorial. Mas eles devem ter acesso a números mais detalhados, uma calibração melhor.”

Apesar da diferença considerável, o economista avalia que a mensagem geral não se perde. “Os efeitos são muito positivos, tanto agregados quanto setoriais. O Brasil só tem a crescer com uma reforma desse tipo.”

Outro resultado que o modelo traz, e que vai na direção do que prega o governo, é que o grosso do ganho econômico que a reforma traz vem a partir da simplificação das tarifas. Do crescimento de 7,84% esperado para o PIB, 5,97 pontos porcentuais são atribuídos apenas à uniformização das alíquotas, ao passo que 1,87 ponto se dá pela eliminação da taxação cumulativa.

“A princípio, esse resultado nos surpreendeu. Mas é preciso lembrar que parte do problema da cumulatividade foi resolvida em reformas anteriores sobre o ICMS e do IPI, ainda que às vezes seja difícil receber esses créditos. Quem manteve essa cumulatividade foi o ISS e parte do PIS/Cofins”, nota o pesquisador.

Appy e a equipe econômica do governo têm ressaltado a importância de manter o número de exceções à alíquota de referência como a menor possível. No entanto, eles já admitem algumas exceções, como para os setores de saúde e educação privada.

Saúde e educação privada estão entre os três únicos setores que registram queda dos lucros no estudo, de respectivamente 2,7% e 2,1%. “Mas isto é fácil resolver. Como educação e saúde são setores importantes para a sociedade, é possível fazer um pequeno ajuste na tarifa para não cair o produto nem a lucratividade”, diz Ferreira.

Além destes o único outro setor que teria queda na lucratividade seria o de atividades imobiliárias. Para este, no entanto, a equipe econômica também tem ventilado instituir uma forma de tributação não favorecida, mas diferenciada para o segmento.

Na outra ponta, o setor mais beneficiado pelo exercício seria o de extração de petróleo e gás, incluindo atividades de apoio, com salto de 36,1% nos lucros. O salto ocorreria a despeito de uma pequena queda na produção, de 3,9%. “Isso acontece porque um dos setores mais taxados hoje é o de refino”, explica o economista.

Outros segmentos podem experimentar queda na atividade e alta nos lucros como atividades jurídicas, contábeis, consultorias e sedes de empresa (lucro 17,4% maior), aluguéis não imobiliários e gestão de propriedade intelectual (+13,9%), serviços de arquitetura, engenharia, testes/análises técnicas e P&D (+11,5%).

Outra força que age no sentido contrário ao de reduzir a heterogeneidade tributária é a desconfiança de Estados e municípios em relação ao controle de suas receitas após a reforma. Este é o temor de fundo por trás do fato de a equipe econômica trabalhar com duas PECs, 45 e a 110. Enquanto a primeira, que contou com participação direta de Appy, cria um IVA único, o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), a segunda prevê um IVA dual: o IBS subnacional, gerida por Estados e municípios, e o IBS federal, de competência da União.

Valor Econômico

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